Quando Olivier, personagem vivido por Armie Hammer, está sentado observando ao lado de Sr. Perlman, interpretado por Michael Stuhlbarg, uma série de imagens contendo peças de esculturas encontradas no mar, o professor comenta do fascínio em sentir ao reparar que todas aquelas esculturas apresentam traços curvilíneos humanamente impossíveis de possuírem, demonstrando nos artistas daquela obra uma busca de uma beleza inalcançável, o retrato de algo impossível de ser atingível.
O vigor da arte é ressaltar as emoções humanas e transmiti-las de uma maneira sensitiva e que permita o observador/espectador sinta também, e o paralelo mais belo que Me Chame pelo Seu Nome tem é diretamente os sentimentos despertados nas obras que cercam os personagens aqui, como livros, esculturas, música e cinema, mas também pela vida e pela paixão ao próximo, aquele no qual também projetamos esperanças, anseios e nossa intimidade.
É desse ornamento do passado, dos amores juvenis e da descoberta da sexualidade que a narrativa abarca, contando um recorte de um verão do jovem Elio (Chalamet), em algum lugar da Itália em 1983, na mansão de sua família, onde passa o tempo revezando entre leituras e transcrição de músicas. Sua rotina passa a mudar quando o novo e atlético assistente de pesquisa de seu pai, Olivier, se muda e faz com que desperte uma série de fortes sentimentos no garoto.
Roteirizado por James Ivory (veterano diretor de romances de época como Vestígios do Dia e Uma Janela para o Amor) a partir do livro de André Aciman, o roteiro se propõe em ser bem mais uma obra de atmosfera do que trazer impasses narrativos sofisticados, com pontos de viradas bombásticos, investindo de maneira certeira na construção de um ambiente filtrado pelas memórias afetivas de um indivíduo.
Portanto, Ivory se atem a desenvolver profundamente seus personagens, criando um belíssimo arco para Elio, que de início parece enxergar Olivier como um inimigo, o tratando rispidamente ou zombando da forma como fala, mas posteriormente começa a não apenas ter inveja tanto de sua aparência física estonteante e seu intelecto, como ciúmes ao avistar ele dançando com alguma moça. Nascendo daí um sentimento de competividade, onde Elio parece sentir um prazer ao incomodar Olivier quando este insiste para que toque uma música da forma como ele tocou no violão antes, o que revela também sua natureza transgressora normal da idade.
Ao investigar profundamente o ódio que vira amor de Elio, o roteiro facilita a empatia do espectador com o protagonista, já que de início Elio parece ser um adolescente arrogante e se cerca constantemente na sua bolha cultural de músicas e livros, aos poucos se entende tanto a sua solidão diante das rotineiras férias de verão que sempre viveu (evidenciado quando Olivier pergunta o que ele faz lá e ele responde “espero o verão acabar”) com os pais e os mesmos amigos, mas sua carência emocional e física.
Nesse elemento, a direção de Luca Guadagnino se revela absolutamente primorosa em sua concepção. Em muitos momentos Guadagnino usa planos detalhes para evidenciar braços, coxas, toques entre os personagens (aqui criando uma rima visual constante de Elio e Olivier de braços estendidos se cumprimentando, chegando até o belíssimo momento em que Olivier dá um braço de escultura para fazer as pazes com Elio), onde simboliza as aproximações emocionais e carnais deles.
Ao elaborar a importância das necessidades físicas, do significado de um toque ou de um olhar, o diretor faz da obra uma grande ode ao amor e as primeiras paixões que vivemos na juventude, ao constituir Me Chame pelo Seu Nome com cores e luzes absolutamente vibrantes e nostálgicas (algo que Selton Mello também faz em seu O Filme da Minha Vida), tornando-o um grande resgate de um passado cheio de entusiasmos, esperanças e desejos, ressaltados constantemente pelo aspecto de película com o qual foi filmado, onde grãos parecem saltar da tela, funcionando também como reconstituição de época dos anos 80.
Jamais soando esvaziado de significado em prol de uma estetização nostálgica tão comum hoje, Guadagnino também explora com eficácia movimentos de câmera que se iniciam de maneira mais contemplativa e estática para gradualmente se tornar cheia de movimentos e energia como Elio e sua paixão, o que também é beneficiado pela duração alongada de mais de 2 horas de projeção, que poderiam tornar o filme autoindulgente, mas contornado com consciência pelo diretor e tornando até mesmo justificável, já que a extensa duração permite uma noção muito melhor do crescimento e da importância de seus personagens.
Seria mais do que injusto citar a caracterização de todas essas figuras sem comentar as belíssimas atuações de Timothée Chalamet e Armie Hammer. Chalamet faz de Elio um garoto cheio de intensos sentimentos e opiniões, algo mais do que natural dado o contexto cultural/intelectual em que vive, mas consciente de “não saber das coisas que importam”, quando Olivier o acusa de saber de tudo.
Afinal, Elio é um personagem cheio de dilemas e dramas, ainda mais sendo tão inteligente, mas mesmo não sendo capacitado de decifrar os sentimentos ou impedir que se magoe diante do que vive, o que é refletido na expressão e no olhar sempre intenso de Chalamet. E algo louvável do roteiro é nunca tornar unidimensional Olivier também, que por mais que seja o estereótipo do homem bonito (loiro, alto e de olhos claros), jamais é definido apenas por essas características.
O que é auxiliado pela atuação de Hammer, que faz de Olivier um sujeito culto e respeitoso com Elio, jamais o tratando como um adolescente e sim como um igual, onde seus sentimentos e vontades são tão válidas quanto as dele, e seus gestos de prazer ou gentileza refletem com exatidão o carinho e importância que nutre pelo garoto.
Criando uma relação não apenas de desejo, mas de espelhamento, onde Elio passa a usar um colar com a estrela de Davi ou a camisa de Olivier, o adolescente passa a ser mais confiante e a assumir seus desejos sexuais, quando também passa a ter uma relação com Marzia (Garrel, filha de Philippe e irmã de Louis) e a verbalizar sentimentos antes aquietados pela sua natureza introvertida e tão mundana para alguém da idade dele.
Ao permear toda a narrativa nesse adornamento caloroso e nostálgico, que configura numa perspectiva sempre muito carinhosa e saudosista, o filme não se intimida em, no terceiro ato, trazer a noção da realidade e desconstruir todo aquele deslumbre vivido por Elio, que entende plenamente sua condição e a beleza do momento que teve com um emocionante e tocante discurso feito pelo seu pai (que torna meu fascínio por Michael Stuhlbarg desde Um Homem Sério maior ainda) que reflete com perfeição a essência da vida e das relações humanas experimentadas por todos nós.
Afinal, o que Me Chame pelo Seu Nome parece justamente se tratar é da semelhança conceitual da vida e da arte, onde, assim como aqui, relembramos momentos únicos e exclusivos com uma beleza ímpar, que talvez não seja correspondente com a realidade, mas nos é refletida assim, da mesma forma que o amor se trata de nos refletir ao próximo, ter empatia assim como temos com personagens e filmes, onde ali podemos chamar aquele que revelamos nossa intimidade pelo nosso próprio nome.