O cinema de gênero, especialmente o terror, nutre um fascínio claro em não apenas acompanhar o contexto histórico em que se vive como também agregar isso a suas histórias. Assim, era mera questão de tempo até vermos algum filme de terror que abordasse a respeito das tecnologias que giram ao nosso redor e que utilizamos com frequência.
Tendo já um filme que emprega o artifício da selfie (Selfie para o Inferno), esse Medo Viral usa da inteligência artificial de celular como mote do seu monstro, uma espécie de Siri do mal. Se parece algo absurdo e inicialmente difícil de aceitar, basta lembrar que um dos melhores filmes de terror recente usa uma criatura que se passa pelo sexo (Corrente do Mal), algo aparentemente ridículo e que funciona perfeitamente. Infelizmente, o mesmo não pode ser dito sobre o filme dos irmãos Vang, já que Medo Viral sente uma necessidade tola de se levar a sério e explicar cada fenômeno ocorrido aqui.
Após a súbita morte de Nikki, um grupo de amigos ainda chocado recebe um convite para utilizar um novo e misterioso aplicativo, Mr. Bedevil, que inicialmente parece prático, mas se revela uma entidade maligna que pretende matá-los.
O início já é nada promissor, onde os diretores usam toda a cartilha de clichês do gênero possíveis. Inclui uma moça andando lentamente por cômodos escuros, que sobe as escadas em vez de ir para a porta (os diretores faltaram nessa aula na escola de terror Wes Craven-Pânico) e, claro, o famigerado jump scare. Embora façam coisas básicas, como os planos holandeses para provocar estranhamento, o mais louvável mesmo é que em poucos minutos os diretores já mostram que veremos um filme bobo, repleto de personagens irritantes que tomam decisões estúpidas e um vilão também pouco convincente.
Afinal, ao ter um roteiro pobre e raso que necessita dos personagens verbalizarem seus sentimentos ou explicarem as relações entre eles, junto a isso há personagens que se contradizem o tempo todo, como o especialista em tecnologia Cody, que diz nunca baixar aplicativos daquele tipo por medo de roubarem seus dados, mas inexplicavelmente passa a utilizá-lo durante o filme. O que faz indagar novamente a inteligência de todos ali, que, sem questionar, passam a utilizar um app que faz coisas impossíveis como conseguir apagar todas as luzes da casa, sendo que o circuito elétrico não está conectado com uma rede de internet.
O filme é inorgânico quase sempre, ao coincidentemente trazer um professor que dá uma aula sobre “medo”, algo que precisa ser explicado para os diretores, já que eles não sabem provocar isso no espectador. Tenta também trazer diálogos ou situações que soem naturais, mas simplesmente não agregam nada a história. Boa parte da narrativa não vai a lugar algum, apenas sendo esquemático ao trazer cada um dos personagens em situações que causam medo (e também criando longas cenas para revelar o maior medo de cada uma daquelas figuras) e levando muito tempo para decidirem tomar alguma atitude a respeito daquilo.
Algo que o filme também é prejudicado é seu incompetente elenco, ao trazer uma série de adolescentes genéricos de filmes de terror e que nem conseguem esboçarem medo. A protagonista Saxon Sharbino, por exemplo, não faz nada mais além de caras e bocas, ao revelar suas limitações em momentos em que precisa chorar ou esboçar qualquer sentimento mais complexo que a cara de paisagem que tem. O ápice é quando demonstra tristeza ao trazer lágrimas nos olhos enquanto faz yoga (!).
Em alguns momentos, os irmãos Vang têm consciência das grandes limitações que possuem em mãos e conseguem disfarçar, ao trazer um momento de desolação de um personagem com uma câmera distante e acompanhando ele correndo, sem mostrar seu rosto. Porém, a incompetência como diretores prevalece. Ao sempre trazer seus personagens andando com uma lentidão irritante, a câmera também corresponde a isso, como se assim causassem um impacto ou dramaticidade maior, mas só soam mais patéticos.
Basta ver o momento em que dois personagens descobrem um corpo e inicialmente faz uma panorâmica do susto deles até o cadáver. É tão devagar, que leva bons segundos até o enquadramento sair totalmente deles. Assim, ficam duas pessoas simplesmente paradas de boca aberta como se fossem idiotas por um longo tempo. Isso sem citar que para os Vang, um policial em um caso de morte, possivelmente assassinato, apenas pede para que os jovens “liguem se souberem de algo” para ele. Ou o costume absurdo dos personagens conseguirem entrarem com a maior facilidade de todas em qualquer lugar que seja.
Porém, o mais incômodo de tudo é quando os diretores julgam serem mais espertos do que realmente são, como na obrigação que sentem em ter que explicar o funcionamento da entidade, ao explanar como um espírito do mal rouba dados pessoais e usa informações de perfis nas redes sociais para amedrontar aqueles jovens, algo absurdo por si só. E o que falar de trazer uma materialização do vilão com um discurso sobre como a tecnologia e o uso dela hoje em dia tem provocado uma alienação na sociedade, como se fosse um adolescente que acabou de ver um episódio de Black Mirror?
Mas o mais revoltante mesmo é como o filme utiliza o personagem Cody para fazer um comentário racial em uma cena patética dentro de um ônibus, que nada mais serve para os diretores se acharem muito progressistas e descontruídos por inclui-la.
Tudo fica mais risível no final, quando o roteiro traz um comentário metalinguístico autoindulgente pretensioso e um diálogo muito “natural” quando os personagens vão enfrentar o vilão e simplesmente começam a falar do frappuccino do Starbucks. Tudo comprova como os diretores sempre fazem as piores escolhas cinematográficas.
Embalado por um visual também desinteressante e genérico, Medo Viral é mais um exemplar do que o gênero pode oferecer de pior, ao operar as convenções do terror da forma mais burocrática e imbecil possível. Tudo numa premissa que se não se levasse tão a sério, poderia sustentar seu absurdo.
Afinal, é difícil encarar com seriedade e temer um vilão que fala “seu Candy Crush foi atualizado”.