Uma das sagas mais corriqueiras em tramas de espionagem é a do falso culpado. Nela, uma pessoa do cotidiano se vê transformada em um agente secreto improvisado e precisa enfrentar redes de terroristas cuidadosamente disfarçados. Essa inclusão enganosa gera uma empatia imediata do público com o protagonista, visto aqui como um homem comum que acaba vivendo situações cômicas devido à sua inexperiência no ramo da investigação.  Entre os diretores que melhor souberam enlaçar pessoas em histórias de agente secretos está Alfred Hitchcock. Filmes como 39 Degraus e Intriga Internacional lançaram essa premissa e produzem humor, mesmo que de maneira involuntária. Bebendo dessa fonte, o cinema viu crescer nos últimos anos o número de comédias espiãs. Entre os títulos está o ótimo A Espiã que Sabia de Menos e o mediano Vizinhos Nada Discretos.

Seguindo a mesma tendência, chega agora aos cinemas o longa Meu Ex é um Espião. Dirigido por Susanna Fogel, no filme acompanhamos as amigas de infância Audrey (Mila Kunis) e Morgan (Kate McKinnon). Quando o namorado de Audrey, Drew (Justin Theroux), aparece no apartamento da garota perseguido por um time de assassinos, as amigas se veem inesperadamente envolvidas em uma conspiração internacional. O rapaz confessa ser um espião e pede à Audrey que faça uma troca de informações sigilosas em seu lugar.

Sem saber em quem confiar, a dupla embarca para a Europa e lá acaba participando de tiroteios, perseguições e torturas provocadas por um grupo de terroristas que tem na jovem Nadedja (Ivanna Sakhno) sua principal arma. Nesse processo, elas conhecem Sebastian (Sam Heughan), um agente da MI6 que as ajuda a desvendar os segredos de um misterioso pendrive. O dispositivo contém informações sigilosas que não podem cair em mãos erradas. O desafio final consiste em manter o pendrive em segurança e descobrir quem realmente está do lado deles.

Com um roteiro previsível e muito baseado em coincidências, logo de início somos apresentados a cenas de ação irreais e diálogos dramáticos bem clichês. Demonstrando a fragilidade do texto, a produção precisa exibir em tela letterings que guiam o público por flashbacks ou avisam quando a trama muda de cidade. A construção dos personagens também é limitada. Apenas as duas protagonistas são bem desenvolvidas e possuem motivações claras, enquanto os demais se apresentam de forma rasa. Drew é o espião machão que pula de prédios sem se machucar, Sebastian é o herói salvador que sempre aparece para tirar as garotas de perigo e Nadedja é a vilã exótica do leste europeu.

Entretanto, os pontos fracos são eclipsados pela presença do humor genuíno. Kate McKinnon possui um timing de comédia perfeito e é de sua personagem que vêm as melhores tiradas. Sua vivência de Saturday Night Live garante punch lines redondas e realmente engraçadas. Dessa forma, Morgan possui um papel duplo funcionando como sidekick e alívio cômico. Em paralelo, Mila Kunis possui uma atuação mais contida que também diverte à sua maneira. Audrey é inocente, mas durona e possui uma jornada de aprendizado convincente.

Outro tema que também se destaca é o empoderamento feminino. Dirigido e protagonizado por mulheres, o filme tem figuras femininas em outros papéis chave como a vilã Nadedja e a chefe do MI6, Wendy (Gilian Anderson). O longa possui uma mensagem clara de que elas não devem ser subestimadas e podem assumir a função que bem entenderem. Apesar do assunto ser constantemente trago à tona pelos discursos politizados de Morgan, o debate perde força por conter cenas em que ela e Audrey conversam sobre seus relacionamentos frustrados, sobretudo com Drew. Mesmo as mulheres não tendo que usar roupas sensuais para derrotar os terroristas, elas precisam fazer uso de outras partes do corpo para sair de emboscadas.

Nos quesitos técnicos, o título permanece morno. Embora não apresente inovações, a montagem paralela do início destaca, por meio da fotografia, os mundos díspares de Audrey e Drew. Enquanto ela está em uma festa, rodeada por tons coloridos e quentes, ele vive uma perseguição onde se destacam cores apáticas e mortas. Quando a trama foca em Audrey como protagonista, o filme todo ganha tonalidades mais vivas e assim permanece até o final. Já as locações utilizadas, com cenas em várias metrópoles europeias, reforçam o sentido de movimento. As amigas precisam se mover constantemente já que parar por mais tempo em algum local pode significar sua captura, ou mesmo a morte. Por conta disso, a direção de fotografia enche a tela com os conhecidos pontos turísticos de cidades como Paris, Viena, Budapeste e Amsterdã.

Apesar de apresentar elementos pós-hitchcockianos por misturar a visão tradicional da espionagem com a existência cotidiana e até mesmo apontar armas diretamente para a cara do público, Meu Ex É um Espião fica aquém de seu potencial. Isso se dá por seu roteiro fraco e os problemas no discurso. Mesmo assim o longa garante boas risadas ao público e se mostra uma forma de escapismos eficiente. As intrigas internacionais podem até ser muito conhecidas, mas ainda sim é impossível não se envolver.

Meu Ex é um Espião

Dupla Explosiva (The Hitman’s Bodyguard)

Ano: 2018
Direção: Susanna Fogel
Roteiro: Susanna Fogel e David Iserson
Elenco principal: Mila Kunis, Kate McKinnon, Justin Theroux, Sam Heughan, Ivanna Sakhno, Gilian Anderson.
Gênero: ​Ação, Aventura, Comédia
Nacionalidade: EUA

Avaliação Geral: Avaliação geral