Por Wallacy Silva
Tarot; presságios; e cigarros, muitos cigarros. Esses são três dos principais elementos que conduzem o intenso roteiro de Natimorto, o novo filme de Paulo Machline. Logo nos deparamos com um fato curioso, quiçá inédito: o ator que protagoniza o filme, Lourenço Mutarelli, é o autor do livro “Natimorto”, no qual o filme se baseia. Seria um grande privilégio do autor-ator poder dar vida ao próprio personagem? Com pequenos trechos narrados pela marcante voz de Nasi, mergulhamos no universo dialogal dos personagens, universo que cabe dentro de um quarto de hotel.
“O Agente” (Mutarelli) traz uma jovem cantora, “A Voz” (Simone Spoladore), para São Paulo, com a intenção de apresentá-la para um conceituado maestro. O homem passa por uma crise, não só no seu casamento, mas também na sua relação com os seres humanos. Ele propõe para a jovem que eles vivam dentro de um apartamento durante anos, sem necessidade de contato com mundo. O homem cuidaria da cantora e contaria suas histórias, que ela tanto gosta. Em contrapartida, ela cantaria para ele, com sua voz que, segundo o agente, ninguém mais teria sensibilidade para apreciar. Enquanto eles esperam a audição com o maestro, permanecem no quarto de um hotel, conversando, discutindo, e flertando com o destino, através das associações que o agente faz das imagens antifumo nos maços de cigarro com as cartas do baralho de tarot.
O filme é esteticamente sublime. A história se passa, quase em sua totalidade, dentro do mesmo cenário, que tinha tudo para ser enjoativo ou maçante, mas a fotografia se encarrega de fazê-lo se multiplicar. Através dos closes, jogos com a profundidade de campo, uso da fumaça, diversos ângulos adotados, dentre outros dispositivos, as cenas vão se mostrando boas surpresas. Em alguns momentos, a imagem gira 180 graus diante dos nossos olhos. O jogo de fotografia se relaciona à interpretação das cartas do tarot, pois uma carta, retirada invertida, pode ter um significado completamente distinto.
As atuações, que inicialmente aparentam ser duvidosas, se revelam blefes. As falas, não muito autênticas ou desinteressadas, se revelam inerentes a duas pessoas que mal se conhecem. Mas os personagens crescem com o desenvolvimento da história, e conforme eles se conhecem, nós também os conhecemos. Os diálogos ganham em densidade, ironia, retórica. Os personagens ora se amam, ora se odeiam. Cabe ao espectador julgar se o que ocorre é uma mutação dos protagonistas, que se dá por causa da situação a que eles submetem-se, ou se o que se vê são simplesmente máscaras caindo. O certo é que, ao tentar fugir da humanidade, eles acabam esquecendo que também são humanos, e que correm o risco de se asfixiar com a própria fumaça.
Ano: 2009
Diretor: Paulo Machline.
Roteiro: Lourenço Mutarelli e André Pinho.
Elenco Principal: Simone Spoladore, Betty Gofman, Lourenço Mutarelli.
Gênero: Drama.
Nacionalidade: Brasil.
Veja o trailer:
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