Por Mario Neto
Desde o golpe de 1973 em que os militares tomaram o controle do país, o Chile passava por uma ditadura sangrenta, a frente da mesma, estava o general Augusto Pinochet. Desde a tomada do poder, Pinochet sofria com pressões internacionais para que seu golpe fosse reconhecido, e finalmente em 1988, após quinze anos, o governo convoca um plebiscito, o qual o povo deveria votar Sim ou Não pela sua permanência no poder por mais oito anos, e esse é o contexto em que o filme No é situado.
Pablo Larraín fecha com No, sua trilogia sobre a ditadura chilena – Tony Manero (2008), que se passa no período mais violento, ou seja, em 1978, e Post Morten (2010), que tem como pano de fundo o golpe de 1973). E o aspecto mais interessante é que os três filmes, abordam o período ditatorial de maneira menos explícita, mas não menos visceral, de modo que o diretor nos permite perceber os diversos traços sócio-comportamentais que compõem o período, o qual a violência, a repressão e a resistência não são o foco principal, e sim outras causas e consequências pertencentes a um mesmo sistema, o que Larraín tenta nos mostrar em seus trabalhos é a grande complexidade (negativamente falando) da instalação de um regime em seu país, e o quanto isso afeta todas as esferas da sociedade. Sem heróis, sem bandidos, apenas e tão somente pessoas vivendo nesse contexto.
O filme começa com o discurso devotado e inspirador do protagonista René Saavedra (Gael García Bernal), o qual carrega uma confiança que beira a hipocrisia, parafraseando-o “Sejamos honestos. Hoje o Chile pensa no futuro”, e então eis que uma peça publicitária de uma marca de refrigerante, daquelas mais piegas, é apresentada, com muita referência pop, muitas cores, e todos os batidos artifícios publicitários.Apenas com essa primeira apresentação já conseguimos traçar o perfil de René, um jovem talentoso, com sucesso profissional, confiante e que realmente vive e acredita nas fantasias que vende, o típico publicitário.
Todavia, logo na abertura também, René já esbarra em seu primeiro conflito, no meio da apresentação é chamado por Urrutia (Luis Gnecco), um comunista amigo de sua família, que está organizando a campanha do “Não” para o plebiscito, e este que reconhece o talento “manipulador” do rapaz, lhe propõe o envolvimento na campanha. De início não fica claro o motivo de René aceitar sua proposta, tendo em vista a vida confortável que leva, com sua casa arrumada, seu carro esporte do ano, seus passeios de skate pela cidade, seu filho saudável, seu afastamento de questões políticas, contudo existe um grande catalisador que influi diretamente na aceitação de seu envolvimento com a campanha, o grande carinho que sente por duas pessoas em especial, que estão diretamente ligadas a resistência, seu pai desaparecido (algo que não fica explícito, porém os mais atentos não deixarão de perceber isso), e sua ex-mulher e mãe de seu filho Verónica (Antonia Zegers), a qual representa um vazio em sua ‘perfeita’ vida. Sendo assim, podemos perceber que não se trata do dever cívico, ou de uma consciência política, e sim de uma necessidade pessoal, uma espécie de compromisso afetivo que o protagonista tem com ele mesmo, além da inconsciente insatisfação que não completa sua plenitude, já mencionada pela figura de sua ex-mulher.René a todo momento, tem sua atitude colocada à prova, seja por seu chefe Lucho Guzmán (Alfredo Castro), que o questiona acerca do erro que está cometendo a participar da campanha do “Não”, fazendo-lhe lembrar de todas as coisas boas que tem e que só foram proporcionadas devido a atual situação, e de como ele estará sendo ingrato caso confronte isso. Ou por sua ex-mulher que o acusa de mercenário e de incoerente por participar de uma campanha que já está arranjada, que servirá somente para legitimar a ditadura de Pinochet. E até mesmo pelos próprios desenvolvedores e mentores da campanha, que ao lhe apresentarem uma abordagem truncada e demasiadamente sisuda, são rebatidos com a proposta audaciosa e perspicaz de René, esta pautada basicamente na alegria, com isso ele passa a ser visto como desrespeitoso com os que sofreram diretamente com a ditadura.
Mesmo com todas as adversidades René se engaja profundamente na campanha, e a trata como um desafio profissional, e essa é a postura que faz com que seja um projeto vitorioso. Devido ao desapego do protagonista com “a causa”, uma visão sóbria e serena é colocada na campanha, ou seja, ele a trata como mais uma de suas peças publicitárias, tanto o faz, que paralelamente ele continua com seus trabalhos da mesma maneira, e um artifício metafórico que elucida esse raciocino é a cena em que René monta o ferrorama de seu filho, e se coloca no meio do mesmo para que possa ter uma visão completa da passagem do trem, representando a importância de seu envolvimento, ou seja, para vencer (ou conseguir a conta) é preciso se sentar no meio da situação e avaliar ela da maneira mais serena possível, outro ponto que caracteriza isso na cena, é o momento que seu filho pede para brincar com ele, então René diz que não está brincando e sim trabalhando.
A escolha de rodar o filme inteiro em U-matic, formato analógico de gravação extremamente utilizado nos anos 80, foi uma sacada genial do diretor, pois confere a obra um caráter documental (de vez em quando até amador, em alguns momentos a imagem é estourada propositalmente) que apela diretamente a nostalgia, além da escolha de planos intimistas que favorecem e dialogam diretamente com a narrativa. Um roteiro bem construído e coeso, com arco dramático feito de maneira tranqüila e leve. A fotografia quente com cores vibrantes, remete a efervescência do período e sua importância histórica. Direção de arte e figurino impecáveis, funcionais e eficazes, cumpriram com o seu papel, nada de extravagâncias. Uma montagem excepcional, que amarra discursos com imagens das cenas seguintes, cadenciando o ritmo necessário, tornando a narrativa leve e ao mesmo tempo densa, aponto como um dos destaques da obra.Trilha sonora utilizada somente por músicas da campanha, nada de não-diegéticos a todo momento que mastigam a composição dramática para o público. E por fim uma atuação extremamente convincente de todos os atores em especial, é claro, de Gael García, que se supera a cada papel.
Um filme excelente de um diretor excelente, quatro estrelas e meia, e se o extraordinário Amor do extraordinário Michael Haneke não estivesse concorrendo na categoria de melhor filme estrangeiro, No certamente seria o favorito.
No
Ano: 2012
Diretor: Pablo Larraín.
Roteiro: Pedro Peirana.
Elenco Principal: Gael García Bernal, Alfredo Castro, Antonia Zegers, Néstor Cantillana.
Gênero: Drama.
Nacionalidade: Chile/França/EUA.
Veja o trailer:
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