Por Aline Fernanda e Joyce Pais
Quando Karim Aïnouz (Viajo porque preciso, volto porque te amo; 2009, O céu de Suely; 2006) foi convidado por Rodrigo Teixeira para dirigir um filme inspirado nas canções de Chico Buarque, não teve dúvidas de qual seria a escolhida: “Olhos nos Olhos”. “Porque é a música do Chico que mais me toca, que me emociona, que mais ouvi quando me separei tantas vezes na vida”, explica o diretor.
O filme mostra um dia na vida da dentista Violeta (Alessandra Negrini; Dois Coelhos) que, logo após se mudar para um apartamento em Copacabana com o marido Djalma (Otto Jr.) e com o filho adolescente, vê sua rotina abalada quando recebe uma mensagem no celular do marido, com quem foi casada por 14 anos, avisando que iria deixá-la que já não a amava mais.
Vencedor no Festival do Rio de 2011 com o prêmio de Melhor Direção, O abismo prateado centra-se nos altos e baixos de sentimentos experimentados por Violeta. A pedido de Karim, a atriz deixou de fumar durante as filmagens para amplificar a sensação de ausência pretendida pelo diretor, “A gente literalmente passeou por um abismo, e, em certos momentos, não havia nada de sólido em que eu pudesse me segurar”, diz.
Para Alessandra Negrini foi um papel difícil “É ela, sozinha, agindo e reagindo em meio à cidade, quando o abismo se abre, quando o tempo para e ela, diante disso, tem de lidar com a dor e o desamparo. Foi um filme tão difícil, ou até mais, de se preparar do que de filmar”. Pensando nesse sentindo sua atuação foi fundamental para tornar real e dar veracidade à trajetória da protagonista e seu processo de transformação.
O abandono, reforçado ora pela ausência de falas, ora por sons incômodos, passou também pelo estágio da dor física, como na cena em que Violeta, desnorteada pela notícia que acabara de receber, machuca o rosto na sequência da obra/construção. A primeira estrofe da canção se torna, então, cada vez mais apropriada: “Quando você me deixou, meu bem / Me disse pra ser feliz e passar bem/Quis morrer de ciúmes. Quase enlouqueci / Mas depois, como era de costume, obedeci”, e no filme surge na voz da cantora paulista Barbara Eugênia.
A câmera instável que provoca o desconforto e mal estar, e que vaga pelas ruas do Rio de Janeiro acompanhando os passos de Djalma na praia, caminhando de sunga na contramão dos que socialmente trajados atravessam o semáforo, é a mesma que acompanha Violeta em sua caminhada noite afora. Nessa, que parece ser uma noite interminável, com direito até a dança com a música “Maniac”, hit do filme Flashdance (1983), seria uma forma de libertação daquela mulher ou a expressão máxima do seu desespero?
O ambiente cênico do apartamento também atua como um simbolicamente eficiente recurso narrativo ao denunciar alguns elementos atrelados à trama. Caixas, pacotes e móveis espalhados pela casa desorganizada alardeiam o estado de suspensão pelo qual Violeta iria vivenciar. O local caótico e nada convidativo descontextualiza a felicidade e empolgação de Violeta frente à atitude e expressão fatalista de seu marido denunciando que alguma mudança drástica estava prestes a acontecer.
O que realmente prejudica o desenvolvimento do longa é fato de ele percorrer em círculos, sem sair do lugar e fazer isso de forma bastante previsível. Quando Violeta encontra, no meio do caminho, Nassir (Thiago Martins) e sua filha, a câmera se torna mais estável (e Violeta também) apontando para uma suposta possibilidade de superação. No curto espaço de tempo em que se desenrola, O abismo prateado, tecnicamente cumpre o seu papel, mas o resultado final é cansativo, massante, e a única angústia real é para que chegue logo o final da projeção.
Ano: 2011
Diretor: Karim Aïnouz.
Roteiro: Beatriz Bracher.
Elenco Principal: Alessandra Negrini, Thiago Martins, Gabi Pereira, Otto Jr., Carla Ribas.
Gênero: Drama
Nacionalidade: Brasil
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