A todo momento de O Banquete, filme mais recente de Daniela Thomas, me pegava criando um paralelo com o franco-canadense É Apenas o Fim do Mundo, de Xavier Dolan. Ambos partem de uma dinâmica desgastante centrada em alguma refeição e todos os personagens, apresentando características repulsivas, criam mais atritos, tornando a experiência ali (e do espectador de ver aquilo) insuportável. Contudo, enquanto no filme de Dolan temos um protagonista que nos ancora e traumas e tramas exploradas mais profundamente, aqui neste O Banquete nada mais é do que um bando de abastados bêbados se provocando, às vezes de forma sutil, às vezes de forma direta.
A premissa se passa no final dos anos 80, onde Nora (Moraes) organiza um banquete em comemoração do aniversário de casamento de Mauro (Bolzan) e Bia (Lima), mas entre sofisticados pratos e doses cavalares de álcool, o evento ganha contornos cada vez mais conflituosos com revelações, ao menos tempo em que Mauro parece estar envolvido em uma crise política que pode leva-lo preso naquela noite.
O que Thomas alcança com sucesso é criar o sentimento de claustrofobia, ao utilizar largamente planos fechados em seus atores, que também beneficiam um pouco pela entrega em seus papéis, mas ressaltam as características mais exageradas e óbvias das personalidades, tacando tudo numa explicitabilidade vulgar.
E aí que o filme se desgoverna: sem saber explorar as personalidades e objetivos de seus personagens de maneira equilibrada, o roteiro parece operar sempre em dois extremos. Ou temos uma sutileza que é retratada de forma muito direta e estampada para o público (como a questão do fósforo de motel) ou ele descamba para o expositivo e faz com que os personagens digam absurdos para os outros, com a desculpa de todos estarem embriagados.
O que, aliás, é o que mais frustra aqui. Imagine permanecer em uma mesa com a elite brasileira absolutamente entregue a bebedeira e falando de traumas passados ou intrigas entre algum convidado com outro. Novamente, poderia ser uma experiência como É Apenas o Fim do Mundo, que também causa muito incômodo, mas é exatamente isso que ressalta o drama do protagonista, de estar no meio do furacão. Por não termos uma âncora, nos vemos no meio de uma bagunça irritante e autoindulgente.
O filme não sabe desenvolver nenhuma personalidade ali de forma orgânica ou comedida e permanecemos um longo tempo aturando aquilo até descobrir as intenções de Nora, que são bem novelescas, diga-se de passagem. E pelo filme adotar sua narrativa apenas na sala de jantar (novamente, favorece o isolamento), somos obrigados a ouvir longos monólogos explicando acontecimentos passados, tudo isso entoado de forma exagerada e trôpega para ressaltar a embriaguez dos personagens.
Para prejudicar, Thomas situa um comentário político, que gerou a retirada do filme no festival de Gramado, por se basear na carta que Otavio Frias Filho (que morreu dias antes do filme ser exibido no festival) escreveu ao presidente da época, Collor. Porém, é tão superficial e disperso entre outras coisas (como a relação dos personagens de Gustavo Machado e Chay Suede ou o surgimento abrupto da personagem da Bruna Linzmeyer), que causa a provocação esperada.
No mais, O Banquete se julga um filme indagador sobre as relações da elite entre si mesma e como está se relaciona e causa consequências políticas, mas de maneira supérflua e absolutamente intragável.