Grande parte das pessoas sofre de algum tipo de desordem mental. Entre elas, a mais comum é a Depressão, que atinge cerca de 4,4% da população mundial. Outros males, como o Transtorno Afetivo Bipolar, acometem 4% dos adultos, enquanto a Síndrome de Asperger se manifesta em até 3% dos jovens. Ainda que exista muita confusão entre os sintomas e as formas de tratamento de cada doença, o certo é que todos conhecemos alguém que foi diagnosticado com uma delas (ou nós mesmos as possuímos).
É nesse contexto que se desenrola O Baterista e O Goleiro, filme irlandês dirigido por Nick Kelly. Aqui acompanhamos Gabriel (Dermot Murphy), o baterista de uma banda de rock que sofre de bipolaridade* e possui um instinto incendiário. Ao chegar ao fundo do poço emocional ele é obrigado a fazer um tratamento que, além de remédios tradicionais, inclui uma série de atividades físicas. Em um jogo de futebol com outras pessoas que possuem algum tipo de desordem mental ele conhece Christopher (Jacob McCarthy). O jovem possui Síndrome de Asperger** e, além de todos os sintomas conhecidos da doença, é dono de um forte senso de organização.
A partir daí o longa se desenrola de maneira leve e dinâmica. O mal humor de Gabriel e sua descrença no tratamento se opõem ao apego pelas regras de Christopher e, como resultado, temos um humor genuíno de ares involuntários. Essa construção de amizade serve como linha condutora para os demais incidentes da história, além de levantar temas mais profundos.
Na relação entre Chris e Gabriel, as características mais problemáticas de cada um se mostram exatamente o que o outro precisa para superar suas próprias dificuldades. O goleiro usa os arroubos emotivos de Gabriel para se inserir no mundo real. Enquanto isso, as estranhezas de Chris fazem com que o baterista desenvolva empatia por situações fora de sua mente egoísta.
Ainda que o roteiro caminhe dentro do esperado, não existindo nenhuma surpresa quanto à narrativa, este é um daqueles títulos que assistimos com um sorriso no rosto. Embalado por uma encantadora trilha sonora de cantores irlandeses, o filme evolui bem ao longo de seus 90 minutos e culmina num terceiro ato extremamente emocional.
Para alcançar esse resultado, os aspectos mais técnicos colaboram de maneira interessante. A profundidade de campo, por exemplo, varia de acordo com a doença de Gabriel, indo do foco total quando ele está bem até o desfoque completo nas crises de depressão. Já Chris tem o auxílio da mixagem de som que estoura alguns acordes para transparecer o incômodo que ele sente quando escuta barulhos muito altos.
Tais detalhes transformam O Baterista e O Goleiro em um exemplo clássico de filme água com açúcar, daqueles que servem como bálsamo para dias difíceis. Ao assistirmos à essa produção tão frugal voltamos a acreditar, um pouquinho que seja, no bem que existe na humanidade. De quebra, sua mensagem essencialmente positiva relembra que somos todos iguais, independente de qualquer condição física ou psicológica. O resultado final aquece o coração e prova que carinho e amizade são os melhores remédios, sem necessidade de estatísticas que comprovem esse fato.
*Transtorno afetivo bipolar é um distúrbio psiquiátrico complexo. Sua característica mais marcante é a alternância, às vezes súbita, de episódios de depressão com os de euforia (mania e hipomania) e de períodos assintomáticos entre eles. As crises podem variar de intensidade (leve, moderada e grave), frequência e duração.
** Doença do espectro de desordens autísticas onde os portadores apresentam problemas com habilidades sociais, comportamentos excêntricos ou repetitivos, dificuldades de comunicação e de coordenação. Ainda sim os portadores da Síndrome de Asperger são verbais e inteligentes. Tão inteligentes que chegam a ser confundidos com gênios, porque são imbatíveis nas áreas do conhecimento em que se especializam.
*Essa crítica faz parte da cobertura da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.