Por Ana Carolina Diederichsen
Logo nas cenas iniciais de O Hobbit: A desolação de Smaug o filme já mostra a que veio: agradar os velhos fãs da série O senhor dos Anéis e, a medida do possível, agregar novos seguidores (por isso uma linguagem mais jovem, cômica e aventuresca). No segundo filme da nova trilogia, somos constantemente agraciados por “presentinhos nostálgicos” que nos remetem à trilogia inicial adaptada lançada a partir de 2001. Uma dessas surpresas vem sob a forma (bem mais em forma) de Peter Jackson, que, assim como Hitchcock e tantos outros diretores que o seguiram, faz uma rápida aparição como figurante.
Já é madrugada e estamos de volta à cidadezinha de Bri, numa taverna bastante familiar: O Pônei Saltitante. Lá está Thorin – Escudo-de-Carvalho, sendo observado à distância por figuras nada amigáveis e muito ameaçadoras. Eis que Gandalf (o paternal Ian Mackellen), interrompendo o clima de iminente tensão, se apresenta ao anão solitário e tenta persuadi-lo a retomar Erobor, reino há muito usurpado pelo Dragão Smaug. O mago tem em sua posse, um mapa que revela uma passagem secreta para entrar na Montanha Solitária e um plano para chegar até lá. Nessa conversa informal e aparentemente casual, é forjada uma aliança com o propósito de expulsar o dragão e devolver as terras de direito para os anões. Essa conversa ocorre um ano e meio antes do início de O Hobbit: Uma Jornada Inesperada e ao mesmo tempo em que completa a explicação do enredo do primeiro filme, retoma alguns fatos importantes para que o espectador mais desatento possa se situar.
Depois desse breve momento em flashback, estamos de volta à nossa jornada pela Terra Média, com suas já costumeiras deslumbrantes paisagens. Nossos heróis ainda estão fugindo dos orcs, liderados por Azog, que nesse filme dá indícios de ser mais do que apenas um soldado em busca de vingança. Sua ligação com um Mal obscuro em forma de sombras preocupa Gandalf de tal maneira, que ele se vê forçado o deixar o grupo e trilhar seu próprio caminho em busca de respostas. Assim como o cinzento, nos deparamos com a ínfima presença de um mal, que a essa altura já começa a apresentar sutis traços de familiaridade para quem acompanhou a primeira trilogia…
A horda de anões, entre uma trapalhada e outra, chega à Floresta das Trevas, um lugar amaldiçoado que confunde os sentidos e já roubou a vida de diversos aventureiros que tentaram cruzá-lo. Em meio às alucinações, o grupo se perde e cai, literalmente, nas teias de aranhas gigantescas (assim como a Laracna, de O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei). Quando os pequenos já estão praticamente derrotados, velozes e precisas flechas élficas salvam suas vidas. Ao longe, reconhecemos um belo elfo de cabelos dourados e intrigantes olhos azuis (infelizmente nessa versão, as lentes de contato ficam demasiadamente evidentes). Legolas, vivido novamente por Orlando Bloom, e sua companheira de batalhas, Tauriel (Evengeline Lily), espantam as aranhas e aprisionam os intrusos da floresta, levando-os à presença do rei para prestar explicações. Conhecemos agora mais um clã élfico, que sob a regência de Thranduil (pai de Legolas), vive isolado na floresta. Os elfos da floresta se distinguem dos de Valfenda. São mais arrogantes e individualistas, e Legolas passa a questionar essa postura, o que justifica o desenrolar de seu personagem em O Senhor dos Anéis. É também nesse núcleo que vemos um improvável triângulo amoroso surgir, envolvendo Tauriel, Legolas e um dos anões, Kili.
Bilbo, já apresentando alguns sinais de fixação pelo anel, abusa de sua recém conquistada (e preciosa) invisibilidade e empreende um desajeitado plano de fuga. As cenas que se seguem, envolvem barris de madeira (ao melhor estilo Chaves) e cascatas (à lá Pica-Pau nas cataratas). O filme todo faz uso da linguagem emprestada do universo dos games. Nessa cena especificamente, ela é usada ao extremo, e, acentuada pela trilha sonora, torna-se tão cômica, que fica inverossímil. Sem prejudicar, porém, o andamento do filme, pois é condizente com seu contexto. Os anões, desde Gimli, na trilogia inicial, até os treze da nova, sempre foram responsáveis pela ingestão de humor na obra, por serem desajeitados e trapalhões. Como na trilogia de O Hobbit, eles são protagonistas, os filmes desenvolvem uma linguagem mais leve e cômica.
O Hobbit tem uma diferença sutil, mas real na comparação com O Senhor dos Anéis. Diferença essa, que pode ser verificada também nos livros. O primeiro é voltado a um publico um pouco mais jovem, a temática é mais leve e introduz o leitor num mundo fantasioso e espetacular. É uma aventura em que o desafio principal é recuperar o domínio de um reino usurpado. Pode ser considerada uma releitura moderna do êxodo e, sem muitos desdobramentos, deve ser apreciada como tal. É mais leve, não só pela temática, mas pela forma como é contada.
Já em o Senhor dos Anéis, a narrativa gira em torno da necessidade de salvar não só um povo, mas o mundo inteiro, o que confere um ar mais nobre à historia. Não deixa de ser uma fantasia, mas tem uma carga dramática mais pesada e envolve a comoção de todos os povos da Terra Média em busca da sua sobrevivência. A dramaticidade real diante da possibilidade do apocalipse, torna a história verossímil. Por isso, o livro teve uma legião maior de adeptos adultos e o mesmo deve ocorrer com os filmes. O detalhe é que uma trilogia completa a outra, e o conhecimento das duas torna ambas mais ricas. É muito gostoso descobrir as origens dos personagens que já aprendemos a admirar há mais de 10 anos, à época de lançamento dos filmes da primeira trilogia.
O filme, com cerca de duas horas e quarenta minutos, é longo e se prolonga em algumas cenas, mas em relação à Uma Jornada Inesperada, A Desolação de Smaug tem uma vantagem significativa: as cenas mais arrastadas são estruturadas de maneira mais eficaz no roteiro, na parte inicial do filme, reservando para o meio e o final as cenas de mais ação e desenvolvimento da história.
Já em relação à primeira trilogia, as vantagens são gigantescas. Em O Senhor dos Anéis, a sensação que fica é que o filme do meio, As Duas Torres, é simplesmente isso: um filme do meio, que não tem um proposito determinado, apenas cumpre o papel de transição entre um filme e outro. Na nova série, o filme do meio, não só faz a ligação entre o primeiro e o último filme, como também tem sua força independente deles. Ele tem sua própria narrativa estruturada e que se sustenta por si só, conferindo a ele uma relevância bem mais significativa do que As Duas Torres. Essa certamente foi uma lição muito bem aprendida pelos produtores (ouso dizer que a presença de Guillermo del Toro entre os roteiristas pode ser a responsável por esse novo vigor).
Como já é de costume, a direção de arte é estarrecedora. Os cenários são incríveis e corroboram com a narrativa através de detalhes. Um exemplo disso são as instalações do reino de Thranduil. Para um ser normal, aqueles belos precipícios em meio às árvores, cheios de escadas sem proteção, seriam mortais. Mas para os elfos, seres dotados de destreza impecável, eles não constituem uma ameaça.
Os efeitos visuais são muito convincentes, bem como edição de áudio, mixagem de som, o que faz com que o filme desponte como forte candidato ao Oscar nas categorias técnicas. A fotografia é belíssima e o visual impactante do primeiro filme, causado pelo uso da tecnologia High Frame Rate 3D (HFR 3D), foi um pouco amenizado no segundo, devido ao desconforto causado no grande público, que não recebeu muito bem a novidade.
Para os fãs da saga de Tolkien, os filmes da trilogia de O Hobbit são, além de prazerosos, obrigatórios. No filme que estreia no próximo dia 13 de dezembro, conhecemos novos personagens e temos a honra de nos reencontrarmos com velhos conhecidos. Ao mesmo tempo em que responde algumas perguntas que ficaram em aberto no primeiro filme, A Desolação de Smaug lança novas ainda mais intrigantes. O filme traz surpresas agradáveis que se revelam como presentes para os fãs da série original e remontam um quebra cabeças, em que as peças vão se juntando aos poucos.
Sofreremos com a longa espera até o filme derradeiro!
O Hobbit: A Desolação de Smaug (The Hobbit : The Desolation of Smaug)
Ano: 2013
Direção: Peter Jackson
Roteiro: Peter Jackson, Philippa Boyens, Guillermo del Toro.
Elenco Principal: Ian McKellen, Orlando Bloom, Cate Blanchett, Benedict Cumberbatch, Martin Freeman, Richard Armitage.
Gênero: Fantasia, Aventura.
Nacionalidade: EUA, Nova Zelândia
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