Por Frederico Cabala
Pode-se dizer que Olympia parte da criatividade para atingir em cheio o real. O filme, quarto longa do diretor Rodrigo Mac Niven, representa um ponto de variação na carreira do cineasta, pois diferentemente dos três documentários anteriores, neste trabalho há maior exploração de outros gêneros além do documental. Assim, não se pode dizer que se trata exclusivamente de um documentário, tampouco trata-se de uma ficção em si, mas são os dois em relação inclusiva. Em Olympia percebe-se como a transposição entre ambas as linguagens pode ser fecunda a fim de se explorar as fronteiras entre o real e imaginado.
No caso do filme do diretor carioca, destaca-se o real, inegavelmente. Embora o enredo do longa trate da fictícia cidade de Olympia, suas grilagens de terra no bairro da Barra do Bananal, seus desmandos políticos do prefeito-personagem Fernando Guerra, enfim, sua corrupção sistêmica, todos sabemos o endereço do que é apresentado em codinomes. É sobre a cidade do Rio de Janeiro, sobre a especulação imobiliária da Barra da Tijuca, sobre Eduardo Paes, sobre uma história marcada por conchavos político-empresariais e como tudo isso é notado às vésperas de um evento mundial como os jogos olímpicos.
A montagem do longa se assenta na troca frenética entre os planos imaginado e fictício, ou, melhor dizendo, na justaposição completa entre tais polos, a ponto de tornar difícil a distinção entre eles. De um lado, temos a história fantasiosa de uma cidade inventada, onde pessoas aladas têm misteriosamente suas asas amputadas. Em vez da estátua do Cristo Redentor, ocupa o corcovado um monumento à deusa Olimpia, sem a cabeça.
Ainda pela vereda fictícia, neste espaço é apresentado um personagem que impulsiona a trama, trata-se de J.C., advogado que sabe bastante sobre os acordos políticos e negociações fraudulentas ocorridas na cidade. Insatisfeito e atormentado pelos desmandos, J.C. decide tudo revelar a um cineasta. E é aqui que o mundo imaginário se imiscui no lado documental. O diretor em questão é o próprio Rodrigo Mac Niven, que toma o relato do advogado como missão a ser explorada e resolve então investigar crimes de colarinho branco e colher entrevistas para, metalinguisticamente, montar um filme.
Desse modo, o longa se desenvolve com um plano ficcional em tela colorida, enquanto as entrevistas com testemunhas e especialistas se apresentam em preto e branco, embora essa tendência nem sempre seja seguida. São ouvidos personagens conhecidos, tais quais Juca Kfouri, Raquel Rolnik, Vladimir Safatle e Bernardo Toro, e também anônimos, como os resistentes moradores da Vila Autódromo, que literalmente perderam seus terrenos para o que se chamou de “revitalização olímpica” da cidade do Rio.
Embora oscile em qualidade, posto que a construção fictícia de Olympia é prejudicada pelo maniqueísmo do enredo e pela falta de profundidade dos caracteres (veja, por exemplo, como é rasa e caricata a construção do personagem documentarista ao encarnar a figura heroica que busca combater o mal), vale dizer que o trabalho do Rodrigo Mac Niven diretor/produtor/montador acerta o alvo, ainda que se possa questionar as diversas deficiências da estrutura ficcional na construção do filme.
Importante ainda lembrar que Olympia foi produzido a partir de um financiamento coletivo, o que faz pensar como tal tipo de apoio pode causar um bom impacto de independência. Os apoiadores devem estar satisfeitos, assim como os demais espectadores, visto que ao revestir o Rio em uma atmosfera fantasiosa, paradoxalmente o longa acentua o caráter real e urgente de uma cidade que se mostra maravilhosa somente para uma pequena parte da população. Nisso, Olympia merece medalha de ouro.
Ano: 2016
Direção: Rodrigo Mac Niven
Gênero: Documentário ficcional
Nacionalidade: Brasil
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