Poucos são os filmes que em seus primeiríssimos segundos conseguem, de certa forma, sintetizar sua temática principal. Em Paulistas, vemos um filhote de bezerro sendo alimentado por uma mamadeira e auxiliado por mãos enrugadas, revelando a idade avançada das pessoas ali. Aqui, o diretor Daniel Nolasco já traça um sutil e delicado paralelo que fará tanto da relação social (o trabalho dos habitantes das cidades de Paulistas e Soledade) com uma relação familiar, onde ele se concentrará mais, fazendo um retrato atípico e curioso do momento da vida aonde os filhos vão embora da casa de seus pais.
Dedicando-se a três rapazes que passam suas férias nessas regiões rurais localizadas no sul de Goiás, os letreiros iniciais informam que desde 2014 não existem mais jovens naquelas cidades, por consequência do êxodo rural e de acreditarem encontrarem uma perspectiva de vida melhor nas zonas urbanas. Assim, Nolasco sugere certa tradição entre aqueles rapazes que aproveitam o período das férias para visitar seus pais e parentes que permaneceram nessas cidades.
Pontuando apenas sobre a questão socioeconômica nesse letreiro, o documentário adota muito mais um tom contemplativo e observacional, com a câmera estática, acompanhando a rotina daqueles indivíduos nesse lugar e a relação que se dá entre os mais velhos com os mais novos e praticamente quase nunca trazendo os personagens falando com a câmera (apenas quando Nolasco está com seu pai e este está com um violão afinando e dedilhando canções sertanejas, onde os dois conversam).
Por adotar essa narrativa que prioriza a observação muito mais do que em trazer discussões econômicas enfrentadas por essas cidades, Nolasco, com a montagem, consegue pontuar a atmosfera de solenidade e melancolia que o local transparece e estudar os comportamentos dos pais e filhos. Enquanto uma mãe é vista sentado em um sofá vendo um canal aberto sobre a questão hídrica do estado, um jovem é visto no escuro com a luz do seu notebook em seu rosto, enquanto é possível ouvir o tema de abertura de The Walking Dead, uma série americana, traçando com simplicidade esse choque geracional de se consumir informações.
Competente também em assumir liberdades de construir digressões com a montagem e que não necessariamente pertencem a um tom absolutamente naturalista, Nolasco opta por, em certo momento em que um rapaz caminha, uma música de heavy metal assume todo o espaço do som, definindo um traço de personalidade daquele jovem e que também contrasta com o estilo de vida dos habitantes ali, como em um momento em que o diretor foca a preparação e arrumação de todas aquelas pessoas para ir a um grande evento com jantar e muitas músicas de forró.
Não demonstrando acanhamento para acompanhar um pai e um filho dissecando um porco, para posteriormente servir de consumo, o diretor atrela bem essa dialética constante que cria com momentos de cumplicidade e de um inerente carinho presente entre os pais e filhos, ao mesmo tempo em que é hábil ao criar esse senso de rotina e familiaridade entre as pessoas, como no início quando um grupo de senhores que está medindo a pressão, o médico cita facilmente o histórico de pressão daquele senhor.
Acompanhando bastante as válvulas de escape daqueles jovens e suas distrações, como quando andam de moto ou quando um rapaz dirige até um ponto no meio da noite para conseguir sinal e escrever para sua namorada, o mais emblemático talvez seja quando Samuel, Vinicius e Rafael Nolasco (o que sugere se tratarem dos irmãos do cineasta) são apresentados testando uma espingarda e atirando em uma televisão de tubo velha, o que pode simbolizar a possível frustração desses garotos com as dificuldades que a vida urbana traz (representada pela televisão), mas também a dependência que criaram dela, procurando nessas atividades uma forma de simplesmente passar o tempo.
Paulistas se revela, na realidade, como um retrato pessoal, quando o cineasta fala com seu pai no quarto e tem esse deslumbre, que também foi um processo pessoal pelo qual passou. No final, se trata de um documentário que usa como pano de fundo as consequências sociais e econômicas no campo para pautar um contemplativo e melancólico estudo de personagens e geração, aprofundando a discussão acerca da complexa relação entre pais e filhos.