Por Andreia Regeni

Há alguns anos, numa tarde no centro de São Paulo, tive a oportunidade de conversar com Jean-Claude Bernardet por algumas horas. Falávamos de Kiko Goifman – objeto de estudo do meu trabalho de conclusão de curso em jornalismo, que eu, por receio de ter escrito muita groselha, não me atrevi a ler posteriormente. Mas lembro das palavras finais dos dois como se tivéssemos conversado ontem. Jean-Claude disse que os dois tinham um filme praticamente escrito e que o mais importante (agora transcrevendo) era “não repetir FilmeFobia. Depois de uma experiência bem sucedida a tentativa de repetição de uma experiência semelhante pode ser catastrófica”.

Fui atrás de mais detalhes sobre esses escritos com o Kiko na tentativa de saber mais sobre o que viria nos próximos dias. Ele contou que Jean-Claude sugeriu de começar um novo filme e que ele gostaria de escrever e atuar. Jean-Claude entregou as sequências, bem ensaísticas que para Kiko era “um filme muito radical e não tinha história”, ele contou que estava a fim de “contar uma historinha”, e com a permissão do crítico e ator, modificou as sequências, resultando em Periscópio.

Minha última conversa com Kiko para o projeto terminou com a seguinte declaração, que grudou na minha cabeça por todo esse tempo: “Eu tô a fim de fazer um filme romântico, só que passando por diversos gêneros: vai ser pesadão, nojento, escroto, mas um filme de amor”.

A trama gira em torno das vidas de Élvio (João Miguel) e Eric (Jean-Claude Bernardet). Numa atmosfera sufocante vivem os dois personagens. Élvio é uma espécie de cuidador de Eric. A relação deles está desgastada. Eles não saem daquele apartamento. Diferente de obras como Quem Tem Medo de Virginia Woolf ou Deus da Carnificina, que nos trancam em seus interiores, Periscópio não é inspirada em uma peça de teatro. Embora aluda à.

Sendo assim, tenho vontade de dizer que Periscópio é um cinema do absurdo. O objeto homônimo ao filme surge na sala e o fato inusitado não chega a ser motivo de profunda investigação. Sua finalidade é mais importante. Agora Élvio e Eric estão sendo assistidos. O espetáculo da decadência se inicia e todos agora são mais felizes.

Enquanto vistos existem motivos para a celebração. Exibicionismo. Algo ali une os dois e a formalidade de patrão e empregado é desconstruída. O roteiro é desconstruído, tomado pela improvisação.

Somos objetos de nosso próprio espetáculo e nos alimentamos disso, babamos com isso. Duas estrelas brilham num apartamento sujo. Num apartamento sujo que é uma ilha. Ou um submarino ao contrário onde vive o peixe Jack. E não sabemos onde isso vai dar. Mas vamos continuar na sala aconteça o que acontecer.

periscópio-poster

Periscópio

Ano: 2012

Direção: Kiko Goifman

Roteiro: Kiko Goifman, Jean-Claude Bernardet.

Elenco principal: João Miguel Jean-Claude Bernardet.

Gênero: drama

Nacionalidade: Brasil

Veja o trailer: