A overdose é a maior causa de morte de norte-americanos abaixo dos 50 anos. A situação é tão grave por lá que a renomada revista The New Yorker atestou:  “a epidemia de opioides é a crise de AIDS dessa geração”. Entre as drogas mais viciantes está a metanfetamina, que pode causar extrema dependência e acabar com o corpo. Como o efeito do entorpecente é muito concentrado, os usuários precisam usar doses cada vez maiores para enfrentar as crises de abstinência.

É justamente nesse universo que se passa Querido Menino, filme do diretor Felix van Groeningen, que tem no elenco Steve Carell e Timothée Chalamet. Baseado no livro Cristal na Veia, no longa vemos a história do jovem Nic Sheff (Chalamet), que cai no mundo dos narcóticos e se torna um usuário de múltiplas drogas. Em paralelo, seu pai, David Sheff (Carell), faz de tudo para tirá-lo do vício.

Mesmo que o título seja a autobiografia de um ex-dependente de metanfetaminas, na tela o foco maior é nos dramas enfrentados pelos pais de Nic. Desde o início, vemos David tomar uma série de atitudes para tentar mudar a situação do filho. Ele visita especialistas, pesquisa os efeitos da droga e a todo momento procura entender o que levou o primogênito àquele estágio de dependência. Tamanha devoção é motivada pelo alto grau de conexão entre eles. Ao longo da projeção, vemos como Nic é especial para David e o quão doloroso é vê-lo em condições degradantes.

Essa relação de cumplicidade é desgastada à medida em que Nic se aprofunda no uso de entorpecentes. O momento em que o pai descobre o nível de sujeição do filho, por exemplo, é aterrador. De maneira íntima, o longa nos mostra os altos e baixos emocionais de um usuário de drogas e como essa oscilação emocional impacta na estrutura familiar. Nesse ponto, o filme ganha forças graças à Carell, que entrega uma atuação competente, repleta de tristeza e desapontamento. Tais anseios se entranham no público e despertam um misto de sentimentos, que passam por raiva, angústia e compaixão. A impressão que fica é a de estarmos sofrendo a morte de uma pessoa ainda viva.

Porém, nada disso seria possível sem o trabalho inspirado de Chalamet. Sua interpretação de Nic começa simples e é quase difícil de acreditar que aquele jovem sofre com o abuso de drogas. Gradativamente vemos sua performance escalonar até que atingir o ápice no terceiro ato. Suas boas escolhas fazem com que ele envelheça diante das câmeras.

Em Querido Menino, os aspectos técnicos também desempenham um papel importante. A montagem, por exemplo, é descontínua, apresentando cortes secos e grandes intervalos temporais entre eles. Essa costura inconstante das cenas passa a ideia de solidão e confusão mental, sensações semelhantes às vividas por Nic após o consumo de entorpecentes. O trabalho de fotografia também é competente e usa a iluminação, a profundidade de campo e os movimentos de câmera para demonstrar os diversos efeitos que as substâncias ilícitas têm no organismo.

Vale observar ainda os enquadramentos utilizados, sobretudo na cena do restaurante. Com a câmera quase num contra-plongée, vemos Nic e David tendo uma conversa decisiva. Para demonstrar seu gradativo afastamento, eles nunca são enquadrados juntos, denotando em tela o abismo físico que existia entre eles.

Contudo, a boa técnica não salva Querido Menino de um tom monocórdio. A história não chega a ser surpreendente e o público, acostumado com tramas de superação, consegue prever os dois finais possíveis para as desventuras da família Sheff. Mesmo com belas atuações, o longa é impregnado com o estigma dos filmes feitos para premiações. Sem dúvidas existem cenas inspiradas que conseguem tocar o público, contudo elas não são suficientes para gerar reflexões profundas. Por abordar um assunto tão importante na sociedade norte-americana, o resultado poderia ser bem melhor. Trata-se apenas de uma autobiografia romantizada, produzida e lançada no período mais propício do ano para dramas assim. É menos do que parece e menor do que deveria ser.

 

*Em tempo, está disponível na Netflix um ótimo documentário chamado Heroina(s). O curta mostra o dia a dia de três mulheres que lidam diretamente com usuários de metanfetamina na cidade de Huntington, considerada a capital da overdose nos EUA.

Querido Menino

 

Ano: 2018
Direção: Felix van Groeningen
Roteiro: Felix van Groeningen,  Luke Davies
Elenco principal: Steve Carell, Timothée Chalamet, Maura Tierney
Gênero: ​Biografia, Drama
Nacionalidade: EUA

Avaliação Geral: 3