Repare bem, a conotação ambígua do título do filme, realça duas importantes maneiras de revisitar o período de ditadura militar pelo qual o Brasil passou, a necessidade de reparação, em função dos inúmeros danos físicos e psicológicos causados pelos algozes ditadores, e o apelo para que se dê a devida atenção ao tema. E é por meio dos depoimentos de Denise Crispim, uma militante corajosa e orgulhosa, e sua filha Eduarda Crispim nascida no berço da revolução, que aos poucos somos envolvidos e transportados para essa parte obscura da história brasileira, sentindo cada ferida sendo aberta e tratada novamente.
A diretora Maria de Medeiros, mais conhecida pelos seus trabalhos como atriz, principalmente no cultuado Pulp Fiction de Quentin Tarantino, soube administrar de maneira delicada o teor denso dos testemunhos que acompanhamos ao longo da projeção, de modo que em nenhum momento são utilizadas imagens de arquivo, ou qualquer artifício que corrobore uma espetacularização desnecessária, se valendo apenas de fotos particulares e/ou documentos originais das personagens, fomentando assim a empatia do público para com os relatos que Eduarda e, principalmente, Denise desenvolvem, algo que se assemelha a uma espécie de vídeo-diário.Contudo, a ausência de desenvolvimentos técnicos que deem uma certa cadência para o que está sendo dito, é um tanto incômodo em diversos momentos, causando uma sensação de marasmo e lentidão, algo que poderia ser resolvido com simples movimentos de câmera ou planos que dialogassem mais com o conteúdo proposto. Ou seja, a impressão que fica, é a de que a única coisa que importa são as palavras que estão sendo ditas, a câmera é um mero instrumento de capitação e registro, o que para um vídeo-diário é extremamente cabível, porém, talvez para cinema não seja algo que funcione tão bem.
É um documentário extremamente envolvente e tocante, serve para nos lembrar de que não devemos deixar a história morrer e que os gritos sofridos de quem se machucou nessa época ecoam até hoje. Entretanto não nos apresenta nenhuma característica que o torne diferente de tantos outros documentários e ficções que abordam esse tema, e acredito que essa seja realmente sua proposta, de que a inovação esteja mesmo na apresentação da história de outra família que sentiu literalmente na pele os horrores da ditadura militar, fica então a critério do espectador avaliar a relevância do projeto.
Repare Bem (Les Yeux de Bacuri)
Ano: 2012
Direção: Maria de Medeiros
Roteiro: Maria de Madeiros, Ana Petta.
Elenco principal: Denise Crispim e Eduarda Crispim