A infância ou começo difícil e humilde. A descoberta do talento sobrenatural. A ascensão. A queda. O retorno.

Tal estrutura é bem familiar já que é a medula narrativa da grande maioria das cinebiografias de músicos e astros do rock. E a prova de que tal fórmula tem se tornado saturada é conferir o medíocre Bohemian Rhapsody e a forma simplória que desenvolve a história de Freddie Mercury.

Portanto, apesar de Rocketman retratar essa mesma trajetória de um músico inquestionavelmente talentoso, o diretor Dexter Fletcher (responsável por finalizar Bohemian Rhapsody depois da saída de Bryan Singer) consegue dar graça e charme ao escapar de uma abordagem realista e explorar o tom fantástico e colorido das músicas de Elton John.

Escrito por Lee Hall, o roteiro introduz seu cinebiografado (interpretado por Taron Egerton) chegando numa reunião de Alcoólatras Anônimos com uma típica fantasia que usa nos palcos dos seus shows. Não coincidentemente, sua fantasia tem grandes asas e chifres de demônio, que parecem lembrar algum tipo de anjo caído ou renegado. Logo depois, já estamos testemunhando a infância pouco afetiva de Reginald Dwight, seu nome de nascença, e sua habilidade com o piano.

É nesse início que se pode notar a natureza mais libertária da obra, trazendo simbolismos bem óbvios para explanar os fantasmas e demônios de Elton, assim como sua fértil imaginação e anseio de criar música e ser amado. O que proporciona um belo momento em que Reginald criança começa a conduzir uma orquestra dentro de seu quarto, inicialmente sendo iluminado apenas pela sua lanterna, até tomar escopos grandiosos.

Rocketman adota o gênero musical da forma mais fantástica possível, trazendo números musicais elaborados, como o plano-sequência embalado pela deliciosamente dançante Saturday Night’s Alright for Fighting. E Fletcher até se mostra competente ao definir a dimensão enorme nos números de dança com planos mais abertos.

Algumas cenas conseguem até resgatar uma mise-em-scène mais clássica dos musicais, ao trazer a ostentação e consumismo de Elton ao mesmo tempo em que o relacionamento entre ele e o clichê do empresário e namorado inescrupuloso (Madden) se estreita ao som de Honky Cat.

O filme ainda se torna ousado ao colocar as músicas de Elton John cantadas por outros personagens que não ele mesmo para expressarem seus sentimentos. Particularmente, a mais tocante se trata de Bernie Taupin (Bell) cantando Goodbye Yellow Brick Road para Elton. Tal estratégia consegue contornar a ilógica das letras expressarem muitas vezes sentimentos e situações vividas por Elton John, embora as letras sejam de Taupin.

Tomando liberdades para mudar arranjos e letras (como a mudança de I miss my wife por I miss my life em Rocket Man) em prol das situações, algumas delas exigem apenas sua execução para gerar euforia ou emoção. No momento em que Elton compõe a melodia de Your Song, não há nada de especial na direção, mas é uma cena extremamente tocante apenas porque a letra e a música são uma das coisas mais lindas já produzidas.

Claro que também se deve dar os créditos ao trabalho empenhado de Taron Egerton. Conseguindo mimetizar a expressão e os gestos de Elton, Egerton canta as músicas (ao contrário de certos ganhadores de Oscar que interpretaram cantores) de forma competente o suficiente para levar o filme adiante, sem tentar criar nenhum compromisso de parecer exatamente igual (como foi o caso de Jamie Foxx com seu Ray).

Talvez o único empecilho que Egerton passa é não saber dosar o exagero para recriar o Elton surtado e irritadiço afetado pelas doses cavalares de álcool e drogas. A segunda parte é basicamente Elton gritando ou jogando objetos quando não está cantando.

Já o restante do elenco parece servir de caricatura das figuras tóxicas que foram para Elton. Tanto Bryce Dallas Howard e Steven Mackintosh (que vivem os pais dele) quanto Richard Madden vivem seres desprezíveis e servem quase como antagonistas do cantor. A mãe feita por Howard até transparece alguma camada de empatia, mas volta a ser megera quando o roteiro necessita.

Por outro lado, Gemma Jones como a avó do músico aparece bem pouco, mas representa leveza e frescor para aquele universo repressor em que vive. O destaque fica pela performance sensível de Jamie Bell como o letrista Bernie Taupin. Sua química com Elton é incontestavelmente perfeita, onde o carinho que ambos têm um pelo outro é facilmente perceptível. E mesmo quando Elton se sente atraído e tenta investir no amigo, ele é honesto e gentil o suficiente para dizer que “o ama como irmão”.

No quesito da direção de Fletcher, ele tem boas decisões, como ao colocar um leve desfoque nos planos a partir do momento em que Elton se entrega às drogas. Há sensibilidade na forma leve e pacífica que retrata Elton transando com seu namorado. Porém, há elementos bastante problemáticos, como a maneira súbita que trata o casamento do cantor com Renate, onde em três cenas condensa um casamento de quatro anos.

O diretor e o montador Chris Dickens têm problemas em conseguir situar temporalmente a história, não transmitindo muito bem a noção de quantos anos cada fato ocorreu. Porém, em parte é algo benéfico já que essa não literalidade de tempo ressalta o efeito paralisante e destrutivo das drogas em Elton, onde o sujeito perde a noção da realidade. Isso representado de forma mais óbvia quando ele não sabe em que lugar está tocando em um show e é vaiado ou de forma cinematograficamente elaborada, como quando está jantando com sua mãe e padrasto, ele vai no banheiro, volta e já está em um outro jantar com Bernie em outra hora.

Infelizmente, a forma como o roteiro de Hall encontra para Elton enfrentar e resolver seus demônios e fantasmas é da forma mais burocrática e óbvia possível. Rápida e soando fácil demais, o roteiro parece que sentiu a necessidade de ter algum fim só ali e apressadamente parte para um número musical e acaba.

Mesmo com problemas, Rocketman ainda se trata de um musical lúdico, ousado e espalhafatoso, assim como seu biografado. E, claro, consegue ressaltar o quão talentoso e incrível é sir Elton John e quão icônico e cativante é seu legado.

Rocketman

Ano: 2019
Direção: Dexter Fletcher
Roteiro: Lee Hall
Elenco principal: Taron Egerton, Jamie Bell, Richard Madden, Bryce Dallas Howard, Gemmas Jones, Steven Mackintosh
Gênero: ​Musical
Nacionalidade: Reino Unido, EUA

Avaliação Geral: 3,5