Por mais que uma pessoa morra, seus feitos e atitudes podem ressoar pelo mundo, talvez até para sempre. Às vezes cabe aos vivos lidarem com as consequências desse alguém e carregar o fardo. Onde há ação, haverá reação. É nessa noção que Sem Túmulo (2018), do estreante Mostafa Sayari, é tecido.
Baseado livremente no clássico romance de William Faulkner, Enquanto Agonizo (1930), o filme conta a história de uma família de quatro pessoa que precisa levar o corpo do patriarca, que desejava ser enterrado numa distante vila. Eles desconhecem a relação desse local com o pai.
Adotando uma estrutura de quase road movie, onde os personagens percorrem estradas de terra longas com o carro para chegar a um longínquo local, o roteiro escrito a seis mãos (incluindo o próprio diretor) depende constantemente dos diálogos dos personagens para esclarecer a relação entre eles, seus sentimentos e suas motivações. Portanto, boa parte do filme é composta de duas pessoas sentadas no carro conversando ou em pé na estrada, também falando.
Mesmo com essa limitação evidente, a questão que o filme traz é bastante intrigante e simbólica. A presença (meta)física do pai é fétida, já que literalmente ele está apodrecendo e poluindo o carro com o cheiro, assim como suas ações em vida geraram sequelas irreparáveis nas vidas de várias pessoas.
A forma como Sayari constrói a dinâmica desgastante daquelas pessoas e o peso que o cadáver do pai causa ali é bastante convincente, muito disso se dá pela câmera estática que enaltece a imobilidade emocional dos personagens diante de uma figura que foi distante para eles.
Além do mais, mesmo quando o cineasta comete o óbvio de materializar na tela “fantasmas”, a sugestão dessas figuras perseguirem os personagens e os assombrarem torna a película mais melancólica e definitiva.
Sempre presos àquele deserto, que pode simbolizar a ausência de destinos e conclusões dessa família, a presença podre desse corpo deteriorado exala o cheiro da destruição irreversível que causou e preenche os espaços para sempre.
Com um final bastante anticlimático e inconclusivo também, a estreia de Mostafa Sayari não é perfeita, mas trata de temas que podem ressoar no espectador e trazer expectativa para seus próximos trabalhos.
*Essa crítica faz parte da cobertura da 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.