Por Paulo Pereira
Os missionários portugueses da Companhia de Jesus, ordem religiosa que pretendia difundir o catolicismo em distintas regiões do Mundo, chegaram ao Japão em meados da década de 1550. Confrontados com as diferenças linguísticas, culturais e religiosas do arquipélago, estes jesuítas conseguiram converter alguns japoneses através de um sistema que aproximou a cultura autóctone com os elementos cristãos. A partir de 1580, o governo local ordenou que os jesuítas fossem expulsos e, no decênio seguinte, condenou cristãos à morte. Neste período, diversos missionários viveram clandestinamente no Japão e esconderam das autoridades suas atividades religiosas. O novo longa-metragem de Martin Scorsese, intitulado Silêncio, é ambientado nessa época. O roteiro, baseado na obra homônima de Shusaku Endo, foi escrito por Scorsese e Jay Cocks.
O filme inicia-se em 1633, no auge da perseguição aos portugueses. Cristóvão Ferreira – missionário que atuava no Japão – narra, em carta enviada ao Padre Valignano, o ritual realizado por autoridades japonesas que obrigavam seus conterrâneos cristãos a negarem o cristianismo – pisando na imagem de Jesus Cristo – e os torturavam, buscando testar a presença de “Deus” em seus corpos. Sete anos depois, comerciantes holandeses entregaram essa epístola a Valignano e relataram que Ferreira havia se tornado um apóstata. Informados sobre essa situação, os padres Sebastião Rodrigues e Francisco Guarupe decidem partir ao Japão para buscar Ferreira. Chegando ao arquipélago, ambos se deparam com a perseguição do inquisidor Inoue-Sama aos cristãos e as estratégias desses convertidos para escaparem da opressão governamental. Ao mesmo tempo em que procuram Ferreira, os padres observaram a atitude dos aldeões cristãos – definidos por Rodrigues como as “criaturas mais devotas do mundo” – e refletiram sobre a apostasia entre os jesuítas e os recém-convertidos.
Cabe analisarmos, brevemente, o título do filme. O silêncio aparece de distintas maneiras ao longo da obra. Primeiramente, as ações das personagens parecem ocorrer no mais absoluto silêncio: não há discussões, as atividades religiosas são realizadas à noite e os indivíduos são pensativos. Há outra via interpretativa: o silêncio pode ser a condição do Santíssimo frente às constantes preces de Rodrigues. A ausência de uma expressiva trilha sonora ajuda a criar essa atmosfera taciturna. O longa-metragem contém uma narrativa que se assemelha às epistolas e às crônicas dos missionários jesuítas do século XVI e XVII e divide-se em três atos, narrados – majoritariamente – por Rodrigues. O desenvolvimento dos atos realizados por Scorsese é um dos pontos altos da obra. No primeiro ato, o ritmo do filme é lento e o diretor busca ambientar o espectador naquela realidade. O segundo ato é mais agitado e angustiante, fruto da situação daquele momento. Já o último ato tem um ritmo equilibrado, pretendendo encerrar a trajetória do protagonista.
Apesar da pulquérrima fotografia, o longa-metragem possui alguns problemas. Primeiramente, há falhas na edição e na continuidade, algo que gera um leve desconforto ao espectador. Por último, existe a dicotomia entre os japoneses budistas (“maus”) e os cristãos portugueses e japoneses (“bons”). Nesse ponto, o roteiro reafirma o propósito etnocêntrico dos missionários europeus da Idade Moderna. O propósito da obra em exaltar os valores católicos fica conspícuo ao final, quando os produtores dedicam o filme aos cristãos japoneses dos séculos XVI e XVII. De todas as formas, o mais novo filme de Martin Scorsese – idealizado desde a década de 1960 – é uma ótima opção para entendermos esse período pouco trabalhado pela historiografia.
Ano: 2016
Direção: Martin Scorsese
Roteiro: Martin Scorsese, Jay Cocks
Elenco Principal: Andrew Garfield, Adam Driver, Liam Neeson, Ciarán Hinds, Yôsuke Kubozuka, Tadanobu Asano, Issei Ogata
Gênero: Histórico, Drama
Nacionalidade: Estados Unidos, Taiwan
Veja o trailer:
Veja as fotos: