Logo após uma área afetada por algum tipo de meteorito, um local passa a ganhar propriedades peculiares que desobedecem às leis da física e gerando não apenas perigo, mas mudanças bruscas nas pessoas que a visitam, assim criando uma jornada onde os visitantes aqui passam a repensar questões metafísicas como quem realmente são e quais os papéis que dispõem naquele universo.

É claro que a sinopse que citei se refere ao clássico russo Stalker, de Andrei Tarkovsky, feito em 1979, que se tornou uma obra bastante emblemática pelas temáticas filosóficas e por usar da sua premissa sci-fi como mote para dissecar temas existencialistas. A comparação (e brincadeira) com Aniquilação acabou se tornando irresistível por conta de compartilharem de um conceito semelhante (uma zona que se originou de algo extraterrestre e isto mexer na natureza do planeta), mas também porque este novo filme de Alex Garland ambiciona também abordar temas mais profundos, mas sem o sucesso e sofisticação de um Tarkovsky.

Mas sejamos justos: Aniquilação se trata assumidamente de uma ficção científica mais narrativamente clássica e convencional e que não percorre por um escopo cerebral e transgressor de Stalker. Mas isso não impede, obviamente, que o filme traga sim questionamentos metafísicos e existencialistas sobre a humanidade e que acabam sendo prejudicados pelo frágil roteiro.

Baseado no primeiro de uma série de livros de Jeff VanderMeer e roteirizado e dirigido por Garland, a história nos revela Lena (Portman), uma bióloga que passa por dificuldades para lidar com o desaparecimento de seu marido, Kane (Isaac), que depois de um ano, ressurge, mas adoecido e com comportamento estranho. Não demora para que o governo se envolva e Lena conheça a psicóloga Dra. Ventress (Leigh), que lhe explica que uma área litorânea, agora conhecida como Área X, foi atingida por uma força estranha que formou uma zona denominada O Brilho, que transgrede as leis naturais. Procurando por respostas sobre a doença de seu marido (que parece ter a ver com essa zona), Lena, Dra. Ventress e mais um grupo de mulheres decidem adentrar no Brilho para descobrirem o que está havendo.

Eficaz já em seu início por sublinhar um sentimento de isolamento e estranheza na protagonista, vista por todos como um ser anormal, Garland já arquiteta bem a natureza trágica e solitária de Lena, uma personagem multidimensional e cujas motivações são bem mais complexas do que apenas um apreço pelo seu marido, surgindo aí também um sentimento de carência, solidão e culpa e que tornam compreensível sua dificuldade em construir ligamento com qualquer outra mulher de sua equipe.

Claro que grande parte da concepção da protagonista é beneficiada pelo talento de Natalie Portman, que consegue transparecer com um olhar ou uma respiração a sua palpável melancolia e o peso das suas ações e suas emoções durante sua vida, mas também revelando rigidez e bravura nos momentos de perigo.

Portanto, por mais que o roteiro de Garland consiga ao menos criar uma protagonista que seja mais aprofundada, todo o resto parece bastante superficial e insípido. Os diálogos e o desenvolvimento dos personagens são bastante pobres, basta apontar a cena em que Lena conversa com Sheppard (Novotny) e como esta define de maneira simplória a motivação de todas elas estarem fazendo aquela expedição, descartando qualquer arco mais dedicado.

Além de Portman, o elenco é bem talentoso e faz o possível com seus personagens, destacando Jennifer Jason Leigh, cuja forma de falar monótona e calculada traduz uma personagem fria e burocrática e Oscar Isaac que faz de Kane um homem amargurado por viver trocando seu casamento pelo seu serviço.

Mas mais do que isso, o roteiro também se mostra bastante esquemático, ao fazer as personagens passarem por situações muito semelhantes (andam, encontram um local que parece arriscado, acampam, passam por perigos, continuam…) e por soltar elementos que até são interessantes, mas não são explorados de maneira plena (como a razão do Brilho fazer as personagens se esquecerem de certos acontecimentos e dos dias que permaneceram lá).

Também se prejudicando na função como diretor, Garland parece se sair muito melhor em criar climas de tensão e suspense do que efetivamente sequências que enveredam para o terror e ação. Se trata de um cineasta talentoso, cujo último filme é o excelente Ex Machina, que era beneficiado, ao contrário daqui, de um roteiro bastante engenhoso e que a ambição temática da natureza da inteligência artificial caminhava junto com o thriller psicológico.

É inexplicável o anticlímax do reencontro de Lena e Kane logo no início do filme, fazendo parecer por vários segundos se tratar de uma alucinação da protagonista, assim como os ataques que certos personagens sofrem por criaturas modificadas pelo Brilho são realizados sem pulso algum pelo cineasta. Portanto, se Garland não parece dominar sequências puramente de ação, ele sabe trabalhar com o suspense e tensão muito bem em uma cena envolvendo um tipo de urso, cujos sons que emite são assustadores e trágicos ao mesmo tempo.

Competente em transmitir a intimidade de Lena e Kane apenas enquadrando em plano e contra plano os dois deitados na cama quase que apoiados um em cima do outro ou até mesmo em fazer um belo raccord visual de Lena sentada para Kane sentado também, talvez o fato mais lamentoso de Aniquilação é sua maior força residir apenas nos 20 minutos finais do filme.

Trazendo uma sequência final absolutamente onírica e minimalista, sem quase diálogo algum, é nesse momento que o filme parece abraçar o potencial mais surreal e metafísico que parece prometer na outra uma hora e meia atrás e nunca atinge, criando imagens emblemáticas e simbologias intrigantes.

Infelizmente, o filme precisa passar por seus dois atos para chegar aqui, apenas levantando discussões supérfluas, como a conversa entre Lena e Dra. Ventress sobre a questão do suicídio e da autodestruição humana, que mal atingem a superfície e, portanto, chegar a algum lugar. Assim, não deixa de ser sintomático que Garland encontrou mais sentido e profundidade em seus temas nas imagens da sequência final do que em diálogos, validando a capacidade do Cinema em falar por imagens.

Afetado também pelo CGI exagerado, que torna todo o universo do Brilho bastante artificial, Aniquilação tenta trazer discussões filosóficas acerca da natureza humana, o que nós faz exatamente humanos, diferenciando a definição biológica da metafísica, mas são elementos curiosos que disputam lugar com o roteiro esquemático e convencional, o que soa como um filme que guarda um tesouro, mas passa a maior parte do seu tempo cavando areia e quando tateia no baú, se encerra.

Aniquilação

Ano: 2018
Direção: Alex Garland
Roteiro: Alex Garland
Elenco principal: Natalie Portman, Jennifer Jason Leigh, Gina Rodriguez, Tessa Thompson, Tuva Novotny, Oscar Isaac
Gênero: ​Ficção Científica, Terror, Suspense
Nacionalidade: Reino Unido, EUA

Avaliação Geral: 3,0