Quando fiquei sabendo que existia um documentário sobre a banda Rolling Stones, dirigido por Jean-Luc Godard, pensei que não seria um documentário “normal”. E estava certo. Sympathy for the Devil (1968) mostra as sessões de estudo dos Stones para gravar a canção que dá nome ao filme. Jagger e sua trupe fazendo e refazendo a música tentando chegar no clássico do rock que conhecemos hoje. Junto com isso, Godard inclui cenas encenadas fazendo referências aos acontecimentos da época, os movimentos relacionados a contra cultura que estava fervilhando no momento.
Ele encena, por exemplo, discursos do movimento dos Panteras Negras, a liberação das mulheres, os movimentos políticos e revolucionários, o papel da mídia na sociedade, etc. Isso claro, numa forma totalmente Godard. Com pessoas recitando trechos de livros aparentemente desconexos, enquanto mulheres brancas são executadas por negros no meio de um ferro velho. Ou uma entrevista que é realizada no meio de uma mata com uma mulher, com perguntas sobre política e sexo em que a entrevistada responde basicamente com sim ou não.
Pensando que Sympthy é classificado como documentário, diria que ele é um filme difícil. Pois, ao pensar nesse gênero, é esperado um filme ancorado em mostrar o “real”, um recorte da realidade ou o ponto de vista do diretor sobre uma determinada realidade. Visto que metade do filme é encenado e a que se trata do “real”, não tem “nada” além de uma banda ensaiando, qual é essa realidade que Godard quer nos mostrar?
Acredito que ele quer, como é de seu costume, nos tirar do lugar comum que estamos acostumados, de ver uma narrativa, mesmo em se tratar de documentários. Godard parece querer documentar as ideias e não os fatos que estavam efervescentes na época e usa o ensaio dos Stones como uma certa “costura” para amarrar essas pontas. Imagino como um jornal em que numa página traz notícias políticas, sobre os últimos acontecimentos da guerra e os primeiros movimentos do feminismo. Na seguinte, os últimos lançamentos nos cinemas e a notícia de que os Rolling Stones estão em estúdio gravando um novo disco.
Acaba que, de forma experimental, o filme nos mostra qual era o clima da época, os temas que estavam em voga e quão bagunçado isso parecia. Olhando com uma certa distância histórica, é mais fácil enxergar as arestas, o que foi tudo isso no período. Mas, acredito, que para as pessoas que viviam aquilo no momento, não estava muito claro o que estava acontecendo, onde aquilo tudo ia parar.
Não posso afirmar com certeza, que Godard sabia o que estava acontecendo, pelo menos com clareza, mas, em sua forma peculiar de fazer cinema, ele conseguiu ao menos emular um pouco qual era o sentimento. Ao menos eu, ao assistir, fiquei bastante confuso, mas com o tempo, e recorrendo ao cenário dos anos 1960, aquilo de alguma forma, começou a fazer sentido. Talvez tenha sido a forma mais criativa possível, mais uma vez, de documentar não fatos, mas a sensação de estar vivendo no meio de toda essa revolução.