“Uma das grandes desgraças da atualidade é a ditadura do politicamente correto e The Square fala do tema contando como seus protagonistas vivem um inferno por isso”.
Com estas palavras, Pedro Almodóvar, presidente do júri do Festival de Cannes este ano, anunciou o vencedor da Palma de Ouro. Indicado também ao Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro e com lugar garantido na shortlist do Oscar na mesma categoria, representando a Suécia, o drama satírico dirigido por Ruben Östlund (Força Maior) congrega críticas mais do que apropriadas aos males da contemporaneidade.
Na trama, Christian é um respeitado curador de arte que tenta, a qualquer custo, aumentar a visitação do Museu que dirige em Estocolmo. Quando seu celular é roubado, ele vê sua vida se desestabilizar pouco a pouco e prova o gosto amargo de consequências inusitadas.
É arriscada – e seria até, de certa forma, ingênua – a tentativa de estabelecer em poucas palavras o cerne de The Square, uma obra que investe simultaneamente em tantas problemáticas. Mas se fosse preciso, na minha percepção, elegeria: individualismo e apatia. Ficam evidentes os refluxos sociais e econômicos experimentados pela população de um país, outrora notadamente reconhecido como um dos melhores para se viver no mundo. E aqui, Östlund encontra espaço até para uma espécie de auto-ironia.
O quão paralisados estamos diante de mazelas como a pobreza e a desigualdade? Christian é confrontado o tempo todo por esse questionamento e suas atitudes acabam revelando o poço de contradição que ele é. Em muitas cenas, sobretudo nas externas, fica explícita a indiferença coletiva, denominada por psicólogos como o efeito de espectador, vista cotidianamente em cidades grandes. Quem mora em uma sabe do que eu estou falando, afinal, quantas vezes passamos por moradores de rua e quase não notamos sua presença, já que estes parecem fazer parte da paisagem urbana.
Há, ainda, uma articulação bastante amarrada, ora sugestiva, ora explícita, entre as obras/instalações do Museu, espaço que pode ser encarado como um personagem decisivo nessa jornada, e o tom geral do filme. A falta de confiança generalizada está diluída em muitas cenas, como a da camisinha, uma das mais hilárias, e a essência das pautas debatidas nas reuniões de comunicação e marketing para criação da campanha viral da famigerada obra “The Square”. Aqui, são discutidos, à luz dos valores da hipermodernidade, – para tomar emprestado o termo do filósofo francês Gilles Lipovetsky – os limites da farsa no processo de construção da imagem, sem que esta fira de alguma forma minorias e, principalmente, a opinião pública. Além disso, o filme consegue criar situações envolvendo jovens da geração Y (ou Millennial), como convencionou-se denominar, que são simplesmente certeiras.
O momento mais desconcertante e também o mais emblemático acontece lá pelo meio da projeção, na cena que estampa o pôster e materiais de divulgação do filme: a performance do ator Terry Notary (Planeta dos Macacos: A Guerra) no jantar de gala do Museu. Conceituado preparador de dublê, coreógrafo e treinador de movimentos, Notary já foi integrante do Cirque du Soleil e se especializou em representar criaturas e animais. Nessa passagem, há, quem sabe, um exercício de resgate da natureza protetora primitiva do homem, das relações mais instintivas e menos egocêntricas.
No entanto, o filme, cuja duração é longa, termina de maneira anticlimática. Perde seu ritmo e foco quando planta tardiamente na narrativa personagens essenciais para o arco do protagonista, resultando numa conexão enfraquecida que parece ter sido empregada justamente para ancorar a relação de Christian com o garoto que o persegue durante boa parte da história (não revelarei mais a respeito a fim de evitar spoilers).
The Square – A Arte da Discórdia não poderia chegar no Brasil em momento mais oportuno. Frente à enxurrada de discussões (e absurdos conservadores!) com relação a censura de exposições que ocorreram há alguns meses, resta uma reflexão profunda acerca da função da arte hoje. Ela aproxima, agrega, desune ou divide?