Alguns filmes são inofensivos o bastante para entreterem por duas horas e depois serem esquecidos. Todo Dia (Every Day) é o tipo de história que pode agradar uma pessoa entediada numa tarde chuvosa, alguém em busca de uma dose de romance sem grandes arroubos de ousadia. O longa, aliás, nem se propõe a ousar, já que se trata de uma adaptação levemente açucarada de um livro para o público adolescente – o best seller de mesmo nome, escrito por David Levithan.
A premissa da história é, no mínimo, curiosa: uma garota se apaixona por uma pessoa misteriosa chamada “A”, que acorda a cada dia em um corpo diferente. Para quem já ouviu falar de high-concept (algo que em Hollywood se define como uma ideia atrativa que pode ser resumida em uma linha), é fácil perceber que esse universo fantasioso é o que torna o filme ao mesmo tempo intrigante e previsível.
Rhiannon (Angourie Rice) é uma jovem do tipo que só existe na ficção: bonita, meiga, inteligente, sonhadora, romântica e incompreendida. Um belo dia, “A” (que no filme é tratado quase como uma entidade, uma “alma sem corpo”) acorda na pele do namorado de Rhiannon, vive a vida dele por um dia e se apaixona pela garota. No dia seguinte, está no corpo de outra pessoa, mas tenta restabelecer contato com ela.
Os dois acabam criando uma conexão intelectual, muito além da aparência física, já que “A” vai parar em diversos “formatos”, no decorrer da trama – tanto homens quanto mulheres, das mais diversas etnias e biotipos. Uma coisa, porém, é constante: ele sempre tenta encontrá-la. Apesar das mudanças exteriores, Rhiannon acaba se envolvendo nesse relacionamento incomum e se adaptando aos novos corpos ocupados por “A” a cada dia.
Convenientemente, ele sempre acorda em pessoas mais ou menos da mesma faixa etária e em um raio de distância próximo ao que se encontra no momento da transição. O filme não tenta explicar os motivos da existência desse “espírito errante”, embora o personagem conte um pouco sobre como foi sua infância, vivendo com diferentes famílias e sem saber como seria o amanhã. Também é bastante conveniente que ele acorde sempre em casas confortáveis e bem decoradas, o que deixa a história com um ar de “problemas de primeiro mundo”.
Embora o filme tenha boas intenções e levante questionamentos interessantes, principalmente a respeito da solidão de “A” e da escolha dele por não se envolver nas vidas das pessoas cujos corpos ocupa, a narrativa aborda muito superficialmente temas poderosos, como o fato de que os seres humanos são, por essência, mutáveis. Todas as pessoas acordam diferentes a cada dia – uma mudança que é muito mais interna do que externa, mas que faz parte da nossa natureza.
Nem todo filme precisa ser genial ou desafiador; aliás, pouquíssimos conseguem, hoje em dia. Como drama adolescente, o longa pelo menos vai pelo caminho certo, deixando claro que o amor depende de algo maior do que as aparências. No entanto, Todo Dia não consegue explorar questões profundas ou mesmo desenvolver adequadamente os relacionamentos da história (em especial os familiares). Os personagens caem em vários clichês e, no geral, não parecem tridimensionais. As diversas perguntas não respondidas sobre a existência dessa “alma perdida” também deixam enormes buracos na história.
Em certo momento, Rhiannon pede que “A” faça alguma coisa para deixar sua marca no mundo, mas o filme acaba sendo um pouco como o próprio personagem, que fica na cabeça apenas de passagem e depois simplesmente desaparece, sem deixar muitos vestígios.