Por Luciana Ramos
Como fica uma família com a ausência de um dos principais membros? Qual é a vida que levam aqueles que esperam em liberdade os que estão presos? Michael Winterbottom (9 Canções) propõe-se a discutir as possíveis implicações do assunto em uma linda obra que debate em sua forma sobre os limites entre filmes ficcionais e documentários.
O longa acompanha o espaço de tempo de cinco anos, tempo no qual o pai da família Ian (John Simm) permanece encarcerado, cumprindo pena de um crime. Sua mulher Karen (Shirley Henderson) desdobra-se entre trabalhar, educar os quatro filhos pequenos do casal e reunir todos em visitas à penitenciária. À medida que crescem, a percepção de Shaun (Shaun Kirk), Robert (Robert Kirk), Katrina (Katrina Kirk) e Stephanie (Stephanie Kirk) sobre os acontecimentos mudam e Ian também recebe uma nova chance de passar um tempo livre com eles.
Sem grandes reviravoltas ou momentos excessivamente dramáticos, são retratados apenas os momentos da vida de cada familiar, dos banais aos mais íntimos. A proposta revela-se, portanto, na concatenação destas cenas e, conforme acompanhamos o dia-a-dia de cada um, entendemos mais sobre eles. Vemos as crianças na escola, a mulher trabalhando em um bar, o momento de dormir, viagens à praia, todos juntos no sofá assistindo televisão, os pequenos escovando os dentes.
Neste contexto, pode-se dizer que não há um grande conflito no filme: o marido já está preso no início e os pequenos dramas que ocorrem não são a força motriz da ação, mas sim consequência de uma estrutura familiar prejudicada pela distância de um dos seus membros. Há, obviamente, passagens de maior emoção e cenas que de fato mostram como as crianças são afetadas pela condição a que foram impostas mas, como todo o resto, são momentos que tem o seu tempo de desenrolar para serem então superados.
Assim, Winterbottom consegue realizar um longa emocionante pela delicadeza com que aborda o tema. Aparentemente superficial, as grandes doses de “realismo” incutidas no filme o tornam poderoso e mais denso do que outros dramas similares. Alguns artifícios foram por ele adotados e manipulados para acentuar o teor quase documental da sua obra: uma câmera trêmula que acompanha os personagens em suas ações e o aparecimento do título na tela a fim de reiterar a passagem de tempo são alguns deles.
Este último relaciona-se ao ponto crucial do longa e da proposta do diretor. Todos os Dias foi filmado durante cinco anos em pequenas partes para dar maior veracidade à história, na medida em que incorpora os avanços do tempo nos rostos dos atores que interpretam o casal e, em especial, acompanham o crescimento das crianças (que, por sinal, são irmãos de sangue na vida real e tem os mesmos nomes que os personagens que interpretam). Trata-se de uma escolha interessante tanto pela sua concepção artística quanto pelo impacto do resultado final e, assim, o desafio dos limites entre ficção e documentário.
De forma delicada, Todos os Dias aborda os questionamentos internos e pequenos conflitos de uma família que tem que lidar com a ausência da figura paterna. Bonito e bem elaborado, é extremamente interessante discussão artística que propõe ao incluir aspectos documentais de filmagem e tempo em uma obra ficcional. Definitivamente, vale a pena ver.
Ano: 2012
Diretor: Michael Winterbottom
Roteiro: Laurence Coriat, Michael Winterbottom
Elenco Principal: Shirley Henderson, John Simm, Stephanie Kirk, Robert Kirk, Katrina Kirk, Shaun Kirk
Gênero: Drama
Nacionalidade: Grã-Bretanha
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