Uma das primeiras cenas de O Problema de Nascer se dá em uma piscina de uma grande casa, onde uma garota nada. De repente, a vemos boiando na água como se estivesse morta. Quem aparenta ser o pai dela, a observa e reage com um frio “de novo não” e calmamente mergulha para tirá-la de lá. Depois da reação atípica de um pai que vê a filha afogada, ele surge em um quarto mexendo nela, enquanto escuta sons robóticos.

Assim somos introduzidos ao universo do filme de Sandra Wollner. Elli é um robô que parece cumprir a função de filha para um pai solitário. Embora consiga dissimular um comportamento humano, há ali uma estranheza e frieza que parecem nítidas, seja pelo olhar ou pelas falas da garota, evidenciando se tratar de um curativo que não cobre todo o machucado do pai.

Sempre permeado de uma fotografia sem saturação, o mundo construído em O Problema de Nascer não parece interessado em revelar como seria o planeta com robôs habitando entre nós e a tecnologia. Aliás, se desconhece  até mesmo o ano exato onde se passa a história. A cineasta parece muito mais interessada em explorar as relações que os humanos têm com a morte e a saudade do que expandir um universo de ficção científica complexo.

Por mais que se passe em um futuro, Wollner o usa apenas como meio para acessar o passado dos personagens, que parecem presos em lembranças e usam a tecnologia como forma de resgatá-las. Seja o pai com a filha ou a senhora que tenta simular o irmãozinho que morreu há muitos anos.

Desta forma, O Problema de Nascer está mais empenhado em discutir a questão filosófica clássica sobre a humanidade de um robô. Elli vive à mercê de humanos que a configuram da forma que querem e sua função é corresponder a isso. O que diferencia as outras artes dos robôs, é que elas não necessitam simular uma personalidade humana que já existiu, possuir essa característica particular faz Elli ser “alguém” ou não?

Não à toa, a protagonista quase sempre é mergulhada em escuridão, sendo vista como uma silhueta sem rosto e sem características marcantes. Quando não tem mais necessidade de estar ali, é facilmente descartada pelo pai, que deixa de lado todo o sentimento que havia entre eles, que dormiam juntos, riam e conversavam. Gestos carinhosos e humanos de um pai para filha, mas simulados pela natureza não humana de Elli.

Portanto, o “problema” que aponta o título se trata possivelmente das questões de nascermos e termos que passar por dores e perdas que não serão mais recuperadas, enquanto o problema do nascimento para Elli seja o de sempre atender as necessidades de terceiros e corresponder às expectativas deles.

Com uma solenidade excessiva que às vezes torna a narrativa um tanto arrastada, O Problema de Nascer ainda encanta pela discussão que propõe e como Woolner consegue montar um futuro fadado a melhorar e mudar o passado que imerge em todas as figuras.

*Essa crítica faz parte da cobertura do Cinemascope da 44a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

O Problema de Nascer

Ano: 2020
Direção: Sandra Wollner
Roteiro: Roderick Warich, Sandra Wollner
Elenco principal: Ingrid Burkhard, Susanne Gschwendtner, Simon Hatzl, Jana McKinnon, Dominik Warta
Gênero: ​Drama, Ficção Científica
Nacionalidade: Áustria/ Alemanha

Avaliação Geral: 3,5