Eis aqui um dos mais polêmicos debates da filosofia: o ser humano é naturalmente mal e a sociedade reflete isso ou todos nascemos bons e somos corrompidos pelo meio em que vivemos? Essa dúvida primordial foi analisada por inúmeros pensadores que chegaram a conclusões diversas. Um dos testes que pareceu colocar uma pedra sobre o assunto foi o experimento de Stanford, que comprovou que qualquer pessoa pode ser cruel sob as condições certas. Entretanto, o estudo foi recentemente descreditado por terem sido descobertas provas de manipulação dos resultados.

Uma situação semelhante nos é apresentada em A Primeira Noite de Crime, o quarto filme da franquia. Na trama acompanhamos o primeiro expurgo, realizado em Staten Island, próximo à cidade de Nova York. O experimento, criado pela Dra. Updale (Marisa Tomei), foi aprovado pelos Novos Pais Fundadores, uma espécie de terceiro partido que assumiu o governo dos EUA. O objetivo é provar que a “violência controlada” é capaz de limpar a sociedade americana. Durante 12 horas os cidadãos da ilha podem cometer qualquer tipo de crime, inclusive assassinato, sem irem a julgamento. A permanência no local não é obrigatória, mas aqueles que ficam ganham uma quantia em dinheiro.

Neste novo longa, o diretor Gerard McMurray tenta inovar dentro do universo já conhecido do público ao trazer novos temas para a tela. A produção mostra as escolhas limitadas dos jovens que vivem em situação de vulnerabilidade e os impactos de crescer em uma vizinhança violenta onde impera o tráfico de drogas. A crítica social também aparece quando o governo, formado por pessoas brancas, decide iniciar o expurgo em um bairro composto por negros e latinos. Por fim, assim como no experimento de Stanford, vemos os organizadores manipulando os eventos da noite para que os resultados saiam conforme suas necessidades.

Entretanto, as boas intenções de McMurray não se concretizam na tela. Os personagens apresentados são rasos e estereotipados. Dmitri (Y’lan Noel) é o gangster de bom coração, Nya (Lex Scott Davis) é a ativista durona, Isaiah (Joivan Wade) é o jovem indeciso sobre seu destino e Dolores (Mugga) é o alívio cômico. Suas figuras dramáticas agem dentro do esperado e não causam nenhuma surpresa. Os planos são previsíveis e seus diálogos sempre acontecem nos lugares mais impróprios. Por fim, o ápice do terceiro ato não passa de uma repaginação do mito da donzela presa na torre, que precisa ser salva do dragão por um cavaleiro de armadura.

Se no filme o expurgo precisa ser incentivado, atrás das câmeras o roteiro bem que poderia sofrer uns cortes. O texto se mostra problemático desde a justificativa que sustenta a obra: a possibilidade dos personagens deixarem a ilha e não passarem pelo expurgo gera uma descrença nos acontecimentos vistos na tela. A construção de suspense também é falha e não chega a surpreender. Mesmo com a utilização de fórmulas consagradas como os jump scares, a presença de pessoas em locais indevidos e a concessão de informações ao público antes que os personagens saibam, não são efetivas para criar suspense. O problema não está nos elementos e, sim, na forma clichê como eles são executados.

Entre elementos técnicos, a eficácia também é baixa. A montagem se mostra truncada, com erros de continuação aparentes e cortes antinaturais que tiram o espectador da trama. Já as cenas de ação são gravadas no estilo câmera na mão e dão um ar confuso e tremido para as sequências. O que no papel foi planejado para ter estilo, nas telas demonstra apenas a inexperiência do diretor. Descartando os efeitos de sangue claramente digitais e a trilha sonora incipiente, o único trabalho que merece algum destaque é a direção de fotografia por usar tons neons que contrastam bem nos planos escuros.

Diante de tantas dificuldades, A Primeira Noite de Crime apresenta sinais claros do stress da franquia, que já teve sua história estirada ao máximo e não consegue mais apresentar inovações. Contudo, assim como os pesquisadores de Stanford, os executivos de Hollywood são mestres em alterar os resultados de suas produções conforme seus objetivos. Não espanta, portanto, que já exista uma série na Amazon Prime dentro deste universo e que outros filmes da franquia cheguem às telonas. Algumas histórias simplesmente não podem ser expurgadas até renderem as últimas gotas de lucro.

A Primeira Noite de Crime

 

Ano: 2018
Direção: Gerard McMurray
Roteiro: James DeMonaco
Elenco principal: Y’lan Noel, Lex Scott Davis, Joivan Wade, Mugga
Gênero: ​Ação, Horror, Sci-Fi
Nacionalidade: EUA

Avaliação Geral: