É curioso que a série Tomb Raider, seja nos jogos e agora nos filmes, tenha passado por um tipo de prisma realista e sombrio que anda em voga recentemente. Basta constatar a insistência da Warner (mesmo estúdio de Tomb Raider: A Origem) em dar um tom sombrio e realista para seus filmes de super-heróis, como O Homem de Aço, Batman V Superman e Mulher Maravilha.
Assim sendo, a maior problemática aqui nesse reboot da série, anteriormente protagonizada por Angelina Jolie e agora vivida por Alicia Vikander (A Garota Dinamarquesa), é o atrito constante entre conteúdo e tom. Se aqui temos um filme que opta por um realismo que se distancia da galhofa cheia de gadgets dos primeiros filmes, por outro lado temos uma história cujos elementos denominados como “Mar do Diabo” ou “Rainha da Morte” apontam o total absurdo e tom mais “fantasioso” (embora jamais o abrace totalmente), o que compromete bem a consistência da obra.
Roteirizado por Geneva Robertson-Dworet e Alastair Siddons e dirigido por Roar Uthaug, a história se inicia revelando o cotidiano humilde de Lara Croft (Vikander), onde ela sobrevive fazendo entregas ou entrando em apostas. Quando um incidente a obriga encarar que assine uma declaração de morte de seu pai (West), desaparecido há 7 anos, ela se depara com pistas que ele deixou como testamento indicando que ele procurava pelo paradeiro da tal Rainha da Morte e assim fazendo Lara seguir as pistas com o intuito de encontrar seu pai.
Para um filme de gênero, esse é o tipo de premissa simplória que poderia muito bem sustentar um filme de aventura nos moldes de um Indiana Jones, se beneficiando de situações críticas e perigos fantásticos ou de uma protagonista e coadjuvantes carismáticos, que conseguiriam dosar o que é chamado de “suspensão de descrença”, fazendo tolerar as circunstâncias aqui apresentadas, mas não apenas Uthaug se trata de um cineasta que aposta sempre no lugar comum como o roteiro rende diálogos, arcos e personagens difíceis de serem engolidos de tão insossos que são.
De novo, não era necessário um roteiro muito sofisticado para que o filme se amparasse, se os outros elementos deles fossem bem construídos, mas no quesito de sequências de ação, por exemplo, Uthaug não faz nada extraordinário ou memorável e que estimule sua plateia. Apenas uma cena onde Lara se equilibra em um velho avião destruído que está pendurado em uma cachoeira que sobressai alguma tensão, mas fora isso pouco resta. Nem no seu ato final, onde os desafios deveriam ser os maiores e mais visualmente caprichados (remetendo aos puzzles da série de jogos), o diretor consegue criar algo interessante.
Fica mais difícil tragar este filme quando o roteiro é tão preguiçoso a ponto de fazer seus personagens dizerem seus sentimentos, ao invés de vermos eles os expressarem. Há um momento ridículo em que o vilão (Goggins) está sozinho e fala em voz alta “preciso decifrar o código!”, não havendo nenhum sentido além de trazer a informação (óbvia) para o espectador que um código precisa ser resolvido para ele chegar a algum lugar.
Aliás, esse momento é sintomático, já que os roteiristas parecem crentes que o público é absolutamente preguiçoso e inepto, já que se trata de um daqueles filmes que precisam sobrecarregar a narrativa com flashbacks para relembrar e “situar” o espectador do que já está acontecendo, se julgando muito complexo, o que torna apenas mais constrangedor ainda.
Também sendo um daqueles filmes que tentam aliviar a “tensão” ou tom sombrio com alívio cômico (o que traz aqui uma participação inexplicável do talentoso e divertido Nick Frost) e que também fracassa terrivelmente e arruína um momento chave do filme ao ser introduzido como uma piadinha, é surpreendente a capacidade de ser um roteiro tão raso e que ainda tem barrigas onde arrasta o possível, como a dispensável cena de perseguição de bicicleta no início do filme ou quando um grupo de garotos rouba a mochila de Lara, tudo para criar sequências que tentam injetar energia no filme, mas são apenas frustrantes e cansativas.
Os méritos (possivelmente os únicos) que este Tomb Raider consegue é o tratamento que dá para sua protagonista e o esforço sincero de Alicia Vinkander em desenvolver sua personagem. Descartando a sexualização da protagonista (assim como nos games mais recentes), a Lara Croft aqui é uma jovem adulta que vive a angústia de não saber o paradeiro de seu pai e que é definida pela força e coragem e jamais por atributos estéticos.
Sendo ao menos ousado em algum momento ao introduzir a protagonista perdendo uma luta com uma outra moça, Uthaug salienta a vulnerabilidade de Lara Croft aqui, já nos fazendo compreender que está é passível de se machucar e sofrer, porém o diretor também falha em sua abordagem realista ao sabotar esta lógica ao fazer com que Lara consiga lutar com alguém muito maior com ela, correr e escalar uma montanha, tudo em sequência, com um corte profundo no abdômen.
Já o elenco, por mais competente que seja, pouco pode fazer com o material entregue, sendo Vikander obviamente a mais beneficiada aqui, trazendo uma intensidade para Lara que consegue ao menos nos fazer acreditar de ser alguém bastante inteligente e capaz de enfrentar um grupo de pessoas seja na mão ou com outras armas.
Dominic West, por mais que consiga dar a atmosfera de sobriedade e paternidade para o pai de Lara, o roteiro prejudica o desenvolvimento de seu personagem por conta de certas atitudes e diálogos que é obrigado a falar e Walton Goggins, um ator que geralmente me cativa por conta de seu ótimo trabalho em Os Oito Odiados ou mesmo na série Justified, faz um vilão absolutamente inócuo e sem qualquer motivação plausível, descartando totalmente o talento de Goggins. Já Daniel Wu e Kristin Scott Thomas, pelo pouco tempo de tela, tem contribuição escassa para a narrativa.
Afetado pelas características técnicas também, seja pelo excesso de CGI, a fotografia absolutamente escura e que provavelmente tornará a experiência em 3D ainda pior, o design de produção pouco inventivo (particularmente a caverna/templo que os personagens entram é visualmente desinteressante) e a trilha sonora genérica, o filme tenta remeter a sua fonte original, ao “gamificar” o seu terceiro ato e obedecendo até mesmo uma lógica de “fases” que os personagens precisam passar, mas tudo muito aborrecido e genérico.
Trazendo um “plot twist” absurdo, para dizer o mínimo, e que parece se julgar muito mais esperto do que realmente é e claramente dando gancho para uma sequência, Tomb Raider: A Origem tem a virtude de humanizar uma personagem da cultura pop que por muito tempo sempre foi sexualizada pelo seu público masculino e ainda sob a pele de uma atriz do naipe de Alicia Vikander, mas que não tem um filme merecedor de seu potencial.