Por Guilherme Franco
A relação entre um pai e uma filha pode ser mais do que simplesmente um laço. Toni Erdmann transcende gêneros e sentimentos, e traz esse vínculo familiar de forma singular e cômica.
Winfriedi (Peter Simonischek) é um pai que após um longo tempo sem ver sua filha (Ines), acaba se reencontrando com ela e decide passar um tempo junto à filha na cidade onde ela mora. Em meio a sua agitada vida de negócios, Ines (Sandra Hüller) tem que encontrar não somente paciência, mas também meios para conviver com seu pai e sua nova personalidade.
Dirigido pela alemã Maren Ade, o longa poderia ser um triste drama como Um Homem Chamado Ove (também indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro esse ano), sobre suicídio, solidão e abandono, mas se torna uma peça irônica em que Maren pega a realidade e a coloca num quadro surrealista. A ironia de Toni Erdmann consiste em indiretas para o que costumamos definir como felicidade – a trama de uma filha viciada em trabalho, e um pai mais velho e carente que traz características infantis e a atormenta por conta disto.
Com pequenas doses a mais de realidade, como o uso de uma dentadura, peruca ou uma cena que Winfried se acorrenta a Ines, mas sempre com um significado nas entrelinhas e colaborando para a construção do universo do filme.
“…a gente estava discutindo quem teve o pior fim de semana”
Várias vezes vemos o feminismo, de forma disfarçada ou explícita, mas sempre rodeando a vida de Ines. Por exemplo quando responde a uma pergunta machista do chefe com: “Não sou feminista ou não toleraria caras como vocês.” ou como coloca a mulher de negócios em uma posição frágil e os homens sempre em cargos superiores, mas aqui a figura feminina aparece sempre se posicionando.
A atuação de Sandra Hüller, já premiada com o Urso de Prata em no Festival de Berlin em 2006 é o ponto de destaque para o filme, junto com a ingenuidade caduca de Peter Simonischek, a relação vazia entre os dois é incomodamente construída. Fazendo nos lembrar de momentos como aquele em que os pais iam nos buscar na escola e sentíamos vergonha, mas que vários anos depois, aprendemos a valorizar e olhamos com aquele leve arrependimento (alguns ainda não). Peter e Sandra formam um combo que exterioriza de forma leve, mas ainda crítica, a melancolia e solidão de Winfried, que cria um alter-ego, Toni Erdmann, para entre vários motivos, chamar a atenção de Ines, como um momento no início do filme em que ele fala a ela que arranjou uma “filha substituta”.
Sem trilha sonora, um dos pontos altos é quando Ines e Winfried estão em uma casa com várias pessoas e ele diz que sua filha vai cantar uma canção à todos, ainda que relutante, ela canta sofrida e ao mesmo tempo brilhantemente a música “Greatest Love of All” de Whitney Houston. Encapsulada como a moral do filme, se tiver uma, a música que traz versos como “Because the greatest love of all, Is happening to me, I found the greatest love of all inside of me” resume e coloca em destaque a transformação da personagem, a forma com que ela, após relutar e negar durante o tempo todo sua jornada de herói ao lado do pai, acaba por aceitar sua amizade, e acima de tudo a cumplicidade diante uma sociedade com um monte de indivíduos vagos. A narrativa vai “mudando” a ótica direcionada aos personagens principais, iniciando com foco em Winfried e depois se aprofundando em Ines, até encontrar a duplicidade dos dois.
Com intensa atuação de Sandra Hüller, o longa consegue dar força a uma mulher reprimida e acostumada a um ambiente de workaholics e machismos disfarçados. O filme que você vai rir, chorar e não acreditar.
O remake americano foi anunciado, com participação de Jack Nicholson e Kristen Wiig, sem previsão de estreia até o momento.
Ano: 2017
Direção: Maren Ade
Roteiro: Maren Ade
Elenco Principal: Sandra Hüller, Peter Simonischek
Gênero: comédia, drama
Nacionalidade: Alemanha, Aústria, Suiça, Romênia
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