Lívia Fioretti
As portas do MIS já estavam fechadas quando a menina chegou, atrasada como sempre e acompanhada de sua melhor amiga. Por trás daquela parede era possível escutar o barulho do início da sessão que a fez acelerar ainda mais… Ao entrar, sentou no fundo da sala e curtiu aquela sensação do rosto iluminado pelo reflexo da projeção, até ter o pensamento que fez seu coração disparar: “Jeunet está atrás daquela cortina”. Esse continho até parece fantasia, né? Mas não é. Tive a sorte de ver ao vivo meu diretor favorito, Jean-Pierre Jeunet, na abertura da retrospectiva de sua obra no MIS-SP em abril deste ano, após a exibição de seu último trabalho: Uma Viagem Extraordinária.
Com uma mistura de realidade e fantasia, o filme conta a história de T. S. Spivet (Kyle Catlett), um cartógrafo de 12 anos que vive em um rancho perdido no meio de Montana com sua excêntrica família: a mãe (Helena Bonham Carter) é uma bióloga aficionada pelo estudo de besouros, o pai (Callum Keith Rennie) é um cowboy que nasceu 100 anos atrasado, a irmã Gracie (Niamh Wilson) vive aspirando por concursos de beleza e seu gêmeo Layton (Jakob Davies) é considerado o filho perfeito. Buscando um escapismo de sua realidade doida, T.S. se fecha na ciência e acaba criando a máquina do movimento perpeéuo, pela qual recebe o renomado Prêmio Baird do Instituto Smithsonian, em Washington. Sabendo que sua família nunca o acompanharia, o menino pega carona nos vagões de um trem pelos Estados Unidos até o troféu; e o que seria uma viagem solitária rumo ao reconhecimento acaba se tornando uma viagem interna ao auto conhecimento (e à cura de um segredo obscuro que persegue o jovem).
Com fotografia, diálogos e trilha sonora marcantes, Uma Viagem Extraordinária foi o primeiro filme francês a ser gravado em 3D (algo de que o diretor reclamou na coletiva devido ao fato de os cinemas com a tecnologia adequada não serem tão difusos quanto os convencionais). Inspirado no livro “O Mundo Explicado Por T.S. Spivet”, o filme conseguiu o raro feito de trazer para as telonas os elementos visuais e o tom leve da obra original.
Mesmo tendo os Estados Unidos como cenário e um elenco majoritariamente nativo do país, o filme é considerado um “falso hollywoodiano” já que é uma produção franco-canadense. Jeunet afirmou possuir muita dificuldade com este lado da indústria após sua experiência dirigindo Alien – A Ressureição, onde sofreu com a falta de liberdade criativa (tal fato impactou tanto o diretor que o fez negar a proposta de dirigir um Harry Potter). Por não ser um filme financiado nas terras do Tio Sam a produção sofreu alguns contra tempos, como por exemplo o fato de o ator principal estar atuando em uma série de televisão paralelamente às gravações, o que resultou na necessidade de algumas cenas serem gravadas sem o protagonista e montadas posteriormente (!!) – uma delas é a que está dobrando o lençol com sua mãe.
Sem deixar de incluir suas características principais – personagens estranhos, atores repetidos, perfeccionismo, cores exageradas, humor infantil e uma quedinha pelo surreal – Jeunet não perdeu a simpatia em momento algum e contradisse completamente o estereótipo de que franceses são mal educados. O cineasta ainda motivou a plateia de cinéfilos ao afirmar que escolheu a sétima por ser a arte mais completa por misturar fotografia, cores, literatura, música, edição, etc e terminou afirmando que se não fosse diretor… gostaria de ser produtor de leite de cabra!
Uma Viagem Extraordinária (L’extravagant voyage du jeune et prodigieux T.S Spivet)
Ano: 2014
Direção: Jean-Pierre Jeunet
Roteiro:
Elenco principal: Kyle Catlett, Helena Bonham Carter, Robert Maillet.
Gênero: Aventura, Drama.
Nacionalidade: França, Canadá.
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