Por Luciana Ramos
“Quero escutar vocês”. Com essas palavras, Isabelle Huppert posicionou-se frente ao público após a exibição de Uma relação delicada e, posteriormente, para a imprensa. A atriz francesa, pela segunda vez em solo brasileiro, participou dos ciclos de discussões do Festival Varilux de Cinema Francês com a intenção de travar um diálogo com os brasileiros sobre a sua vasta obra. Sem discurso enaltecedor ou meia-palavra, Isabelle prefere ser reconhecida apenas pelo seu trabalho.
Filha de um engenheiro e uma professora de inglês, estreou no cinema nos anos 1970 com o filme Uma lágrima…um amor. Após uma série de aparições coadjuvantes, revelou-se ao grande público em 1976 com Um amor tão frágil. O reconhecimento da crítica o seguiu e, em 1976, ganhou o prêmio de interpretação em Cannes por Violette, de Claude Chabrol.
Seu espirito prolífico a fez trabalhar com os mais conceituados cineastas franceses, como Godard, por exemplo, e resultou na soma de mais de cem diferentes papéis ao longo da carreira. Ela inclusive afirma ter escapado à sina de muitas atrizes, que sofrem com a falta de oportunidades ao ficarem mais velhas. Quanto a toda essa experiência, ela só tem a dizer “Ainda me sinto jovem, pois estou só começando”.
Conhecida pelas interpretações dramáticas, como os desempenhados nos prestigiosos A Professora de piano e A Visitante francesa, Isabelle agora tenta dividir mais o seu tempo fazendo comédias. Sobre isso, disse aos críticos paulistanos: “Sempre gostei de alternar os gêneros, mas é difícil encontrar comédias de qualidade como Um Amor em Paris que além de ser engraçado, também fala de relacionamentos”. Sobre isso, ainda relatou ao público: “encaro a comédia como um descanso, um “respiro” da intensa carga emocional que o drama exige”.
Reconhecida pelos críticos ao redor do mundo como “a maior atriz francesa”, Isabelle rejeita o título. É notável, no entanto, a força que imprime nas telonas com a caracterização de mulheres muito diferentes, mas que possuem um espírito de grandeza, podendo ainda, mostrarem-se mesquinhas. É igualmente fantástica a versatilidade da atriz em cena. Ao contrário de muitos outros, que parecem fazer variações de suas personas em cena, Isabelle despe-se para assumir a personalidade daquele que representa. Para ela, não se prepara um personagem, “ele flui no momento” e a “técnica é usada não para fingir, mas para fazer acreditar que é verdade”.
O seu talento pode ser mais uma vez observado pelos brasileiros no Festival Varilux onde apareceu em dois filmes bem diferentes, Um Amor em Paris e Uma Relação delicada. No primeiro, é uma fazendeira entediada que se abre a possibilidade de encontrar novos caminhos para si. Um estilo despojado, recheado com um fino humor, que contrapõe a seriedade da protagonista do segundo, que luta pela adaptação após a restrição de movimentos, consequência de um derrame, e encanta-se por um famoso vigarista.
As restrições corporais não parecem ter surtido efeitos negativos nela, que achou fácil desempenhá-los. Como fez questão de frisar no seu tempo aqui, “não se pode confundir a dor do personagem com a dor do ator. É como um passageiro de avião, que se incomoda com as turbulências enquanto o piloto permanece tranquilo”.
E assim ela segue, emprestando o seu corpo a personas fictícias e acumulando homenagens pelo caminho como, por exemplo,a sua consagração como melhor atriz em Cannes pela segunda vez em 2001, prêmio especial pelo conjunto da sua carreira em San Sebastian, em 2003, e de melhor atriz em Veneza, em 2005.
Talvez o seu diferencial, além da excelência técnica, seja a sua contaste reflexão sobre o cinema. Isso a leva a buscar novos rumos, afastados da sua “zona de conforto”. A sua curiosidade em absorver tudo que a arte tem a oferecer conduz Isabelle a papéis facilmente rejeitados pela maioria dos atores pelas dificuldades que impõem.
Durante sua visita ao país, a atriz discorreu sobre a evolução do cinema francês e assim afirmou que: “ele exerce hoje uma influência artística e econômica muito forte no mundo, já que financia muitas coproduções, em especial na Europa. Da mesma forma, profissionais franceses estão sendo reconhecidos ao redor do mundo. Como exemplo, uma premiação de cinema em Hong Kong concedeu quatro honrarias a pessoas da França”. Salientou, ainda, a importância da produção artística em diferentes países: “o cinema é universal, mas também particular, então o interessante é descobrir novos universos, culturas, maneiras de viver; é sobre como descobrir uma nova maneira de ser com o cinema de outro país”.
Isabelle Huppert é um dos grandes nomes franceses pelo modo como consegue encarar diferentes personalidades com a mesma força e carisma. Deixou o Brasil após o ciclo de debates com quatro projetos no bolso ao redor do mundo e a promessa de voltar, deixando claro o seu desejo de participar de longas nacionais: “se tiver uma proposta, claro que vou considerar com muito prazer”. Ficamos no aguardo.