Por Lívia Fioretti
Fotos por Bia Fioretti
Você já ouviu falar em Oja Kodar? Se não, eu tenho certeza que o nome Orson Welles lhe é mais familiar. Pois bem, Oja (se pronuncia Oia) é a atriz croata que foi a companheira de um dos maiores nomes do cinema por mais de 23 anos.
A viúva veio à São Paulo na última semana para a Mostra Centenário Orson Welles, organizada pelo Cine Caixa Belas Artes, que homenageou o cineasta com a exibição de 12 cópias restauradas de seus trabalhos. No sábado (23), cinéfilos encheram a sala do tradicional cinema paulistano para assistir ao clássico Verdades e Mentiras (F for Fake; 1973) e em seguida ver ao vivo e a cores a musa que estrelava a obra, e a vida de seu diretor.
Antes de responder a pergunta feita por Inácio Araújo, Oja Kodar agradeceu a oportunidade de estar ali e enfatizou: “Eu gosto tanto do Brasil. Se realmente existe reencarnação, eu quero nascer brasileira… Mas como não acredito neste tipo de coisa, posso morrer aqui”, disse em tom jocoso sobre a tosse que lhe assolava o peito. Nem o mal estar impediu que a senhora de azul cativasse a plateia, eu particularmente (que era a primeira da fila) fiquei completamente hipnotizada pela forma como contava sua história. Ao ser questionada sobre “como foi conhecer Orson Welles”, Oja riu e começou a envolver todos os presentes no episódio ocorrido em uma noite de 1962, na Croácia.
“Eu era âncora na televisão e estava saindo com uns amigos da equipe para uma balada em um hotel. Quando entramos, vi uma figura familiar parada na recepção… Era Orson Welles”. Com um sorriso no rosto, continuou “Pela cara que fez, eu soube que aquele homem correria atrás de mim”. Não demorou muito para abordar a mesa onde a jovem estava sentada com seus amigos e perguntar sobre seus planos futuros: aos 21 anos, Oja estava se preparando para cursar a faculdade de artes em Paris. Encantado, Welles a convidou para acompanhar as gravações de O Processo (Le Procés; 1962).
No dia seguinte, ao acordar “tinha um barco atracado na porta da minha casa”, se referindo à limusine enviada pelo diretor, “eu morava em uma cidade pequena, você consegue imaginar o quão surreal era aquilo?”, completou a atriz. “Quando chegamos (na porta do set), Orson estava parado na porta me esperando. Ele abriu a porta do carro e beijou minha mão… Naquele momento, eu perdi o chão”. Não foram necessárias muitas palavras para aquela senhora conquistar o coração de todos os presentes, e aparentemente também o de Orson Welles.
Dois anos se passaram até que o casal se encontrasse novamente. Ela estava estudando artes em Paris quando ficou sabendo pelo atual namorado, que também era da indústria cinematográfica, que Orson Welles estava na cidade: “Se você contar para ele que estou aqui, eu termino com você!”. Independente de qualquer comentário, a informação já havia chegado aos ouvidos do cineasta, que contratou um detetive particular para encontrá-la. “Imagine só, para uma garota que cresceu em um país comunista, a ideia de um detetive particular era algo tããão americano!”, afirmou entre risos, “um dia, enquanto estava no meu apartamento, ouvi batidas repentinas na porta acompanhadas de um cheiro carregado de charuto… Na mesma hora eu soube que só podia ser ele”. Ao abrir a porta com medo de ser expulsa do prédio por causa do barulho, a jovem afirmou que não queria vê-lo pois tinha escrito duas cartas no tempo que estavam separados e não recebera nenhuma resposta. Calmo, Welles apenas pediu para que o acompanhasse até seu hotel.
Ele estava hospedado na Champs-Élysées, uma prestigiada avenida em Paris. Quando chegaram no quarto, ele a entregou uma caixinha de alumínio que continha as duas cartas que recebera e duas respostas. “Mas por quê você não me enviou?” perguntou a moça surpresa. “Por você”, disse Welles, “eu refleti sobre nós dois e achei melhor não te contatar. Você tem 21 anos e a vida inteira pela frente… Eu quase 50, acho injusto tirar isso”. Oja deu uma pausa e olhou emocionada para a plateia. “Meninas, vocês resistiriam a um homem desses? Eu não”. O final da história não é surpresa: a croata terminou com o namorado francês e ficou com Orson Welles em uma parceria que rendeu 15 projetos juntos e 23 anos de relacionamento.
Após algumas poucas histórias, o encontro fora interrompido por uma necessidade do cinema, mas não antes de uma brincadeira que seu marido costuma fazer: Oja jogou 3 bolinhas de ping pong para a plateia e pediu para que os espectadores fossem jogando de um para o outro até que ela mandasse parar. Os que estavam com elas no momento, ganharam uma ilustração do diretor (que você pode conferir nas fotos abaixo).
Oja Kodar fez questão de terminar a noite da mesma forma que começou: exaltando o amor do casal pelo nosso país. “Orson pode ter saído do Brasil, mas o Brasil nunca saiu de Orson. No final de sua vida, quando já estava demasiadamente debilitado e só conseguia digitar com dois dedos, eu chegava na porta do quarto e conseguia ver claramente que ele não estava bem. Mesmo assim, ele me garantia que estava ótimo e ainda exaltava – look baby, I can still samba! (olhe amor, ainda posso sambar)”.