Por Ana Carolina Diederichsen
No Brasil, são mais de 35 milhões de pessoas com origem italiana. Isso faz com que a Itália e o Brasil tenham muito em comum. Como uma forma de reconhecimento e fortalecimento da presença da cultura italiana no Brasil, a Câmara Ítalo-Brasileira de Comércio, Indústria e Agricultura, organiza anualmente o Festival de Cinema Italiano no Brasil, em sua nona edição em 2013.
Os homenageados do 9º festival são os Irmãos Taviani (Vittorio e Paolo), vencedores da Palma de Ouro em Cannes, entre tantos outros prêmios internacionais. Donos de uma extensa produção cinematográfica ao longo de seus quase 60 anos de carreira, não puderam vir ao Brasil, pois estão atrelados a um novo filme que está em estágio inicial de produção.
Em função disso, e do lançamento do filme Os Desconhecidos de Franco Brogi Taviani, o caçula dos irmãos cineastas, o festival preparou uma entrevista coletiva com uma proposta diferente: Franco estava conosco na sala de imprensa e Paolo e Vittorio, na Itália, e conversavam com o Brasil, em tempo real, via videoconferência. A partir daí, deu-se início a uma viagem pelo cinema italiano, proporcionada pelo encontro inusitado com esses três irmãos.
Vittorio, nascido em 1929 e Paolo, em 1931, sempre trabalharam em conjunto. É realmente difícil dissociar os dois, pois a interação é tamanha, que falam juntos, um pelo outro, completando frases e ideias. Com tamanho entrosamento, escreveram, produziram e dirigiram mais de 22 títulos, entre eles A Noite de São Lourenço (1982), Aconteceu na Primavera (1993) e Cesar Deve Morrer, seu último trabalho, lançado em 2012.
Diretamente da Itália, os irmãos agradeceram a homenagem prestada a eles pelo festival e afirmaram que a relação com o Brasil é fundamental, repleta de muita estima e admiração. Sobre o festival, disseram que desempenha um trabalho muito belo, pois o cinema italiano precisa e deve ser conhecido no mundo: “O cinema italiano não é muito conhecido, é limitado pela estrutura de distribuição de filmes. Cabe a nós salvar o cinema italiano. Ele é simplesmente rico demais para ser engolido pelas formas mais comerciais de cinematografia. Agradecemos essa divulgação em nosso nome, e em nome do cinema italiano”.
Com isso, reforçam a importância da divulgação e distribuição da produção cinematográfica fora do eixo Hollywood, e apontam o cinema como meio de formação e transferência da cultura, destacando os reflexos sociais e econômicos atrelados a isso. Além disso, destacam uma semelhança significativa entra as dificuldades enfrentadas pelo cinema italiano e pelo cinema brasileiro, ambos ricos em ideias e escassos em financiamento. A dificuldade financeira pode até ser driblada, mas aí encontramos o verdadeiro entrave ao desenvolvimento cinematográfico: a distribuição. Ao fazer um filme, é questão fundamental que ele seja visto. Ele só existe à medida que é visto por alguém. Se não, perde seu sentido mais primordial: o poder de encantar e cativar.
Os veteranos demonstraram grande orgulho do caçula, apontando-o como alguém muito corajoso em relação ao trabalho e principalmente à vida. Sobre o filme lançado por ele no festival, Os Desconhecidos (sem data de lançamento comercial por falta de distribuição), dizem que o consideram muito emocionante e misterioso: “Gostamos do mistério que ele propõe”, finalizam.
Franco Brogi, o caçula dos irmãos famosos, desenvolveu sua carreira voltando-se para a TV, com a produção de minisséries, ações publicitárias, documentários e também no teatro. Há mais de ano desenvolve um projeto específico envolvendo uma série de documentários para a televisão sobre a imigração italiana no Brasil. Seu objetivo não é só contar histórias, ele quer destrinchar o fluxo migratório, as motivações que o move e suas consequências imediatas e secundárias. Sobre o tema, Franco diz: “O mundo é uma mistura de raças. Culturas inteiras nascem a partir desse fluxo migratório. O Brasil é um grande exemplo da formação de uma cultura distinta e rica, que se solidifica ao longo dos anos e se identifica como nação, repleta de traços de culturas de outros lugares”.
O diferencial, nesse caso, é o foco que ele pretende dar ao projeto, cujo tema já foi abordado antes. Franco quer buscar a fundo as motivações de quem migra, como amor, pobreza, tédio e repressão. O importante, para ele, é saber o que faz uma pessoa abandonar suas raízes e se aventurar em outro país. E como não tem a mesma responsabilidade ou deveres de um cientista ou antropólogo, pode buscar essa resposta de maneira mais poética possível. “Sou um artista e é como tal que devo contar minhas histórias”. Na visão do diretor, a Europa é dotada de história antepassada e as pessoas veem na migração um novo sinal de esperança, a possibilidade de construção de um novo trajeto.
Franco, com uma significativa diferença de idade, chama os irmãos mais velhos de garotos (ragazzi) e reconhece o papel fundamental que tiveram em sua formação artística. “Eles fizeram com que o cinema me fosse familiar. é um meio pelo qual eu circulo como se estivesse em casa. Me contavam suas experiências sobre os filmes que viam assim que chegavam dos cineclubes. Eles tiveram o distinto papel de contagiar-me com a magia do cinema.”
Reconhece, ainda, a importância de seus irmãos vencedores da Palma de Ouro, para o cinema mundial: “O peso dos ‘ragazzi’ é muito superior ao dos grandes mestres do cinema italiano e mundial. Eu carrego isso desde sempre e sempre vou carregar. Em minha tumba estará o peso dos dois. Eu costumo dizer que a minha única vantagem nessa situação, é que tudo o que eu faço é só meu, enquanto eles sempre têm que dividir entre si. Eles são os indissociáveis irmãos Taviani. Eu sou só o Franco.”
Perguntamos aos três, qual seria a definição pessoal de cinema.
Para Franco, trata-se de um universo no qual imergiu quase por acaso, muito em função da influência dos irmãos. Uma vez conhecendo, resolveu embarcar nele, pois era a mais efervescente forma de arte: a sétima arte. “Representava algo novo, fresco. Unia música e imagem, sendo expressa de uma maneira moderna e quase litúrgica, com todo um ritual coletivo. Nessa metáfora, tenho no cineasta a figura de um padre, que conduz os fiéis (público) por aquele culto ritual e mágico de assistir um filme e se entregar a ele.”
Para Vittorio e Paolo, a grandeza do cinema é o mistério que se apresenta através da bela linguagem. “Você fala de outras pessoas, sobre desconhecidos e espera que eles te compreendam e te amem, também como desconhecidos.”
Apesar da idade avançada e da extensa carreira, os irmãos falaram sobre novos projetos, com certa ironia: “Na nossa idade, é engraçado pensar no futuro, em novos projetos, fato que faz disso algo ainda mais interessante. Finalizamos o roteiro de um novo filme, que fizemos com especial entusiasmo, inicialmente para ser rodado na Toscana”.
O projeto será plenamente iniciado em março, mas como não gostam de falar sobre projetos antes se serem concretizados, pouparam-se de revelar detalhes. Adiantam apenas que inicialmente se chama O Presente, e que contém em sua fórmula, alguns dos ingredientes que mais gostam, que a fantasia e o despertar de uma vontade de viver. “Acreditamos muito na sorte e nos bons agouros, então mais do que isso, não podemos falar”.
Vê-los interagir, com seu óculos e boinas, encarnando o estereótipo perfeito do cineasta intelectual, mediados por um meio altamente tecnológico, foi uma experiência única. Ainda mais por que eles têm algo de familiar, “um quê” da nona italiana, desbocada e fofa, que a qualquer minuto pode te dar um tabefe na cabeça, ou um abraço amoroso. Capicce?
Como os próprios Taviani disseram, “um homem só começa a envelhecer quando lhe faltam fantasia e coragem”. Naquele dia, estávamos diante de jovens, repletos de força vital.