Por Luciana Ramos
“É como 2001”. Diz a lenda que esta frase foi dita por um astronauta da Nasa quando viajou ao espaço em missão pela primeira vez. O clássico de Stanley Kubrick permanece considerado por muitos como um dos melhores filmes já feitos, mesmo após termos passado pelo ano 2001 sem chegar nem perto de termos evoluído a ponto de experimentar tudo que o diretor e Arthur C. Clarke, autor do livro e seu colaborador, previram para a humanidade.
O filme começa com o retrato da vida nos primórdios da humanidade. Primatas quadrúpedes vivem em bandos. Alguns deles passam a usar somente as patas traseiras para locomoção. Aos poucos, vão se diferenciando do resto do grupo. Após contato com um monólito, misterioso obelisco preto, aprendem a caçar. Um deles, remexendo a carcaça de um animal morto, segura um pedaço de osso e bate-o repetidas vezes no chão. Assim, descobre uma arma para caça. É então que joga o osso para cima, que rola pelo ar. Um corte seco nos leva a uma visão panorâmica do espaço, onde uma nave de formato similar ao osso faz o seu percurso.
A mais bonita e longa elipse temporal da história do cinema revela o significado do filme: trata-se de mais uma batalha evolutiva pela dominação do ambiente e perpetuação da espécie. Dessa vez, o adversário do homem é a máquina, dotada de inteligência e complexidade.
HAL, o sistema inteligente responsável por todo o funcionamento da estação espacial Discovery, que viaja rumo a Júpiter, é tão desenvolvido em personalidade quanto os seus colegas astronautas. “Ele” conversa com os humanos, admira seus desenhos, realiza trabalhos analíticos. Mais tarde, guiado pelo instinto de autopreservação comum aos homens, arma a morte de toda a tripulação da espaçonave por medo de ser desligado. O seu nível de requinte o leva a, frente à proximidade da sua extinção, barganhar por mais uma chance, comportamento que faz parte de um dos cinco estágios da Dor da Morte.
Para muitos, HAL é o verdadeiro protagonista: a sua personalidade é mais explorada do que a dos astronautas e é o seu conflito interior que resulta no jogo de morte que conduz a trama. Um grande acerto de Kubrick foi a sua escolha de retratá-lo como um ponto vermelho, um olho que tudo vê e controla, ao invés dos robôs comuns em produções de ficção científica da época, hoje completamente defasados.
Porém, a cena mais discutida da obra não envolve HAL. Após ele ser de fato desligado e prismas coloridos invadirem a tela, a câmera para em um quarto. Nele, está Dr. Dave Bowman (Keir Dullea), em seu uniforme de astronauta. Ele possui as feições envelhecidas e caminha pelo ambiente. Encontra uma versão mais velha de si mesmo, jantando. Esta, por sua vez, dá lugar a um Dr. Bowman ainda mais velho, está deitado na cama, prestes a morrer. Ele estende a mão e vemos novamente o monolito. Então, um feto aparece dentro de uma espécie de bolha, primeiro em cima da cama e depois no espaço, e os créditos aparecem. Ainda hoje, não há consenso sobre o significado real desta passagem. Quando perguntado sobre o assunto, Kubrick ateve-se a dizer: “Todos são livres para especular à vontade sobre o significado filosófico e alegórico de 2001”.
O culto ao filme vai além do roteiro: para muitos, o que o torna um clássico é o virtuosismo da vida no espaço e o nível de detalhes com que é retratada. O diretor propositalmente nos seduz a uma existência que consiste em viajar entre estações espaciais (com direito a aeromoças) e explorar os limites do universo. O longa antecede em um ano o primeiro passo do homem à Lua. A falta de informações precisas sobre o aspecto dos planetas forçou Kubrick a imaginar como seriam a Terra vista do espaço, a Lua e Júpiter. O que impressiona até hoje é o nível de semelhança da sua concepção com a realidade. Em nível micro, ele também pensou exaustivamente sobre o interior das espaçonaves, tipo de mobília e comunicação, roupas, equipamentos, alimentação e até um quadro de aviso sobre informações para o uso do sanitário.
No entanto, o mais impressionante foi o fato de ter projetado a nave Discovery como uma centrífuga para possibilitar a gravidade no seu interior. Esta foi construída de fato em um estúdio em tamanho natural e a filmagem destas cenas requereu cuidados especiais de iluminação e direção. Engenheiros chegaram até a desenvolver uma mini centrifuga para colocar a câmera e fazê-la rodar acompanhando os movimentos dos atores.
Toda a grandiosidade das cenas foi pontuada pela inclusão da música clássica nas passagens essenciais. É impossível imaginar a sequência inicial sem “Assim falou Zaratustra”, de Richard Strauss, ou as imagens do espaço sem o acompanhamento de “Danúbio Azul”, Johann Strauss. O fato é que esta não era a ideia original, na verdade, Alex North, famoso compositor de Hollywood, desenvolveu uma outra trilha sonora, que foi descartada por Kubrick na sala de edição.
Um ponto interessante a ser observado é o fato do longa ser claramente um produto do seu tempo. Em 1968, ano da sua realização, o mundo acompanhava a corrida pela dominação e supremacia espacial, liderada pelos Estados Unidos e União Soviética. 2001- Uma Odisséia no Espaço é uma obra que reflete tanto o entusiasmo de uma época e todas as possibilidades alternativas de existência do futuro como o temor pelas consequências desta mesma evolução.
A obra de Stanley Kubrick imaginou um mundo bem diferente do que vivenciamos no ano de 2001. As conquistas espaciais estagnaram após os anos 1970 e hoje ainda não é possível viver em espaçonaves, flutuando pelo Universo. Mesmo assim, passados treze anos do futuro não alcançado, ainda é possível deixar-se seduzir pelo mundo criado com esmero pelo diretor. Fora a beleza visual e o requinte narrativo e musical do filme, o seu questionamento ainda é pertinente e continuará a influenciar gerações futuras na medida em que reflete sobre os perigos dos avanços tecnológicos. Ademais, para os amantes da sétima arte, 2001- Uma Odisséia no Espaço é uma aula de como fazer cinema.
Veja o trailer: