Serei um pouco injusto com o crítico de cinema que escreveu no Facebook duas frases que mexeram comigo na última semana, mas vou achar a fonte e dar o crédito, prometo. Era algo sobre um dos filmes da corrida do Oscar 2018. Ele falava de filmes baseados em outras obras. Seu ponto de vista era que alguns diretores de cinema às vezes fazem um trabalho que se baseia em imitar algo e colocar sua visão sobre aquela obra. Já outros diretores trazem essa obra para o seu próprio mundo. Nesse ponto, me lembro que quem escreveu isso ainda disse que normalmente essa segunda forma de adaptação tende a render resultados mais interessantes.

Injustiças a parte (ainda vou descobrir quem foi, juro), isso me lembrou bastante Tim Burton e sua visão/ versão da obra de Ronald Dahl. A clássica adaptação de A Fantástica Fábrica de Chocolate (1971), do diretor Mel Stuart, se aproxima dos seus 30 anos, ao passo que a versão de Tim Burton está bem perto de completar 15 anos de seu lançamento.

Sair do lugar comum e trabalhar em cima de algo novo – tudo bem, é adaptado, mas não deixar de ser uma nova versão – é um desafio que parece ser conduzido com atenção, mas com bastante autonomia por Tim Burton. O diretor se utiliza de uma liberdade para compor a trama principal com flashbacks divertidos e histórias paralelas para explicar o comportamento e a origem de alguns personagens, como o estranho Willy Wonka e seus Oompa Loompas.

 

A Fantástica Fábrica de Tim Burton vai além da adaptação. O que acontece é praticamente uma expansão do universo do livro de Roald Dahl. Na obra de 1964, a história gira em torno de Charlie Bucket e a busca pelos seus sonhos, sem deixar de lado a humilde família que tanto ama. Até aí nada de diferente entre a obra de Dahl e o Charlie and the Chocolate Factory, de Tim Burton. No filme, acompanhamos de perto o singelo drama do garoto, mas a história ganha contornos completamente diferentes desde a primeira aparição de Willy Wonka.

O Wonka de Tim Burton é um caso típico de história onde os desejos mais reprimidos de um garoto são transformados em realidade num nível absurdamente fora da previsão de qualquer pessoa. Estou falando aqui da infância complicada de um filho de dentista que era proibido de se aproximar de doces e acabou se tornando uma referência mundial no assunto. Uma fórmula parecida foi utilizada na mais recente produção do diretor Lee Unkrich (Procurando Nemo, Toy Story 3), Coco ou Viva: A Vida é uma Festa (2017). Aliás, penso em como seria interessante termos uma versão de Coco na visão do Tim Burton.

 

Nem só de estranheza são feitos os filmes de Tim Burton e em meio às bizarrices da fábrica de chocolate surgem referências a Hitchcock, Kubrick e a cultura pop dos anos 1960 e 1970, sem deixar de lado o espírito da história original.

Além de excentricidade de Johnny Depp roubando a cena na pele do misterioso dono da maior fábrica de doces do mundo, o jovem Freddie Highmore usa seu carisma para dar vida a um Charlie Bucket que consegue cativar a todos por onde passa. A simplicidade no olhar e no jeito de conduzir cada passo de sua personagem dentro do filme faz com que o garoto não seja ofuscado pela figura de Willy Wonka, ainda que nesta versão de Tim Burton a trama só comece a ganhar contornos mais interessantes a partir de sua primeira aparição. A emoção da expectativa pelo ticket dourado dá lugar à surpresa por um universo mirabolante escondido atrás das portas da fábrica. Em 2004, a dobradinha Johnny Depp + Freddie Highmore já havia rendido momentos interessantes em Em Busca da Terra do Nunca, do diretor Marc Foster.

 

Se tudo parecia conduzir a história do personagem coadjuvante de forma que ela se tornasse mais importante, Tim Burton fez questão de amarrar a trama mais uma vez à simplicidade de Charlie Bucket e sua família. O elevador maluco de Willy Wonka, que na versão de Mel Stuart conduz o garoto até as nuvens, como se não existisse limites para seus sonhos, na versão de Tim Burton aterrissa de volta no humilde universo de Charlie. É como se toda a megalomania do excêntrico doceiro encontrasse definitivamente um lugar, uma razão de ser, e ficasse repousada ali, na ingenuidade e inocência da infância, que Willy Wonka finalmente tem a chance de experimentar.

No canal Willy Wonka é possível encontrar vídeos de making off, além de entrevistas e curiosidades sobre a produção de A Fantástica Fábrica de Chocolate. Nesse vídeo aqui embaixo o diretor Tim Burton conta um pouco sobre suas escolhas no filme e sobre sua visão em relação ao livro de Roald Dahl. Ah, tem legendas disponíveis em português. E nosso Especial Tim Burton continua, é claro! Até a próxima!