Amarcord – eu me recordo. Como posso eu, que nem sonhava existir no ano de 1973, recordar-me tanto de tudo o que é mostrado ali naquela cidade?

Peço licença para escrever sobre um dos meus filmes favoritos. Peço licença ao leitor, que veio em busca de um texto técnico e informativo, para falar sobre a importância que tem um cineasta como Federico Fellini. Principalmente quando abre mais uma vez seu baú de memórias e possibilita que o público tenha acesso a ele.

Acredito que as verdadeiras genialidades de Fellini se disfarçam de transeuntes, prostitutas e acordeonistas, contando histórias aqui e ali, correndo com crianças pela praia de Rimini ou assistindo a alguma moça famosa entrar na Fontana di Trevi, clandestinamente, de madrugada.

Amarcord não é um filme de astros e estrelas, não tem efeitos especiais, pavonices, não tem nenhum acontecimento apoteótico – a não ser que você considere a cena memorável da Tabacaria como apoteose (o que é bastante justificável!).

Amarcord é um filme episódico, no qual somos convidados a visitar algumas das memórias mais marcantes de Federico Fellini.

Diferentemente de 8 ½ em que, muitas vezes, as memórias ganhavam peso físico e assombravam um cineasta em crise, aqui  caminhamos ao lado das lembranças de Fellini. Sua obra parece estar perfeitamente no lugar.

É um dos momentos mais belos da parceria com Nino Rota, que entrega uma trilha profundamente emocionante e que conversa impecavelmente com cada imagem, com cada canto da cidade e com esse estado de espírito que existe nos filmes fellinianos.

Aliás, o grande protagonista do filme é justamente esse estado de espírito que, felizmente, foi recuperado depois de um período em que Fellini explorou outras estéticas um tanto controversas.

Apesar de, de certa forma, a trama ficar bastante em torno das angústias e descobertas dos membros da família Biondi, existe um desdobrar de acontecimentos que esbarra nos outros moradores da aldeia.

Há um frisson em acompanhar, com as crianças, as festividades do início da primavera. Há uma sensação de reconhecimento ao ver esses velhos que tremem as mãos e tomam sopa, contando histórias da juventude.

Essa família que janta junto e discute e se ama e fala ao mesmo tempo, em meio a pedaços de pão e cunhados indesejados sentados à mesa.

Nada em Amarcord vai embora com facilidade, talvez pelo fato de já termos cruzado com essas sensações, em algum lugar. São imagens que parecem ficar, sabe?

Apesar do ritmo ser bastante dinâmico, já que são vários núcleos de pessoas apresentados, existe um gerúndio adorável que permanece ao fim de cada episódio.

Toda lembrança é doce e triste ao mesmo tempo; e Amarcord assim o é porque fala muito claramente de questões humanas. O ser humano é resultado de tudo o que o cerca.

Então quando a gente vê ali na tela essas questões todas – a paixão, a lascívia, o sonho, a vida e a morte, a miséria, o patético fascismo, os clichês, a loucura, a família, os amigos, a escola, a aldeia, a praça – o peito pula de emoção porque, olha só:

Esta também é a minha história.

Eu me vejo nessa salada maluca de pessoas. Eu vejo minhas tias, meus primos, eu vejo a cidade do interior que visito com frequência. Eu vejo minha avó, vejo meus amigos e professores.

Vejo minha relação afetiva com o cinema quando a Gradisca pergunta ao bilheteiro quando vai lançar, finalmente, o filme novo do Gary Cooper. Eu me vejo em cena vendo todas essas pessoas, como o narrador da história que aparece pontualmente pra contar um “causo” ou outro.

Amarcord é festa. Só depois de viver no hemisfério Norte durante um ano eu passei a entender o verdadeiro fascínio que o povo tem pelo sol. Depois de três meses de inverno, é muito natural que haja uma celebração para comemorar os dias mais longos e o calor.

Um ano em festa pela ótica de Fellini. Se do Federico menino ou do adulto, aqui pouco importa. A vida acontece e, no entanto, a primavera volta. É assim que eu quero recordar para sempre de Amarcord – mesmo diante dos piores momentos, o mundo continua a girar.

Para conhecer mais esse universo caótico e nostálgico, confira as diversas obras de Fellini presentes no streaming do Telecine. A plataforma oferece  30 primeiros dias de acesso grátis.

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