Por Jenilson Rodrigues
Eduardo Coutinho subiu o Morro da Babilônia, no Rio de Janeiro, em 31 de dezembro de 1999 para conversar com os moradores das comunidades do Chapéu Mangueira e Babilônia sobre a virada do ano e sobre as perspectivas de cada um para o futuro de suas vidas e do país. Diferentemente do que estamos acostumados a acompanhar através da tevê sobre o Réveillon na praia de Copacabana, Coutinho nos mostra como a festa acontece para os cidadãos que vivem nas duas favelas situadas na orla da praia mais famosa da cidade maravilhosa.
Como característica habitual dos filmes do diretor, acompanhamos diálogos sinceros onde pouco se nota a presença do entrevistador e até mesmo sua voz ganha pouco destaque no resultado final do documentário, o que transforma os entrevistados em verdadeiros contadores de história. Mais uma vez a carga de veracidade dos relatos dos moradores causa a impressão de se tratar de várias representações da vida de diversas personagens, como se os depoimentos ali descritos estivessem sendo encenados, trazendo mais leveza ao filme para que o mesmo possa ser acompanhado com mais interesse.
Outro ponto a se destacar é a estrutura narrativa. As filmagens retratam o último dia do ano de 1999 no Morro da Babilônia de forma cronológica, e o contador de horas permite ao espectador se situar e construir um roteiro próprio em sua mente direcionando sua atenção para algo além dos assuntos tratados nos depoimentos.
Além do tom verídico, impressiona também a personalidade de alguns moradores que em sua maioria enfrentaram grandes dificuldades em suas vidas dentro e fora da comunidade em que vivem. A personagem Cida fala com tristeza da morte precoce do irmão, vítima do crime conhecido como queima de arquivo, muito praticado na região e em várias favelas do Rio de Janeiro. Apesar da comoção, ela ainda mantém a altivez de dizer entre lágrimas: “mas não tem nada não, faz parte do show”.
Existe uma força imensa aliada a um orgulho de fazer parte daquele local e isso é refletido no relato de cada morador. Os mais velhos se dizem satisfeitos com tudo que conquistaram na vida e alegam buscar apenas garantir um futuro digno para os filhos. Os mais jovens, por sua vez, procuram na simplicidade das amizades e dos romances a energia para enfrentarem o que está por vir. Nota-se a despretensão e a humildade no olhar de cada cidadão ali entrevistado.
Nesse trabalho Coutinho optou por coletar opiniões e depoimentos que iam além de um mesmo tema. Dessa forma podemos acompanhar em Babilônia 2000 histórias incríveis como a de Benedita da Silva, que em 1999 voltava ao forte de Copacabana para a festa de fim de ano como vice-governadora do Rio de Janeiro, anos após ser uma simples catadora de rua que frequentava o mesmo local.
Babilônia 2000 consegue surpreender ao mostrar outro lado do Réveillon mais famoso do país. É a festa de um povo que – igualmente aos outros frequentadores da praia de Copacabana – também sabe celebrar, e cada qual a seu modo acaba trazendo para dentro de seu lar um pouco de alegria a cada passagem de ano, usando este tipo de regalo como combustível para seguir em frente no dia a dia de sua difícil realidade.
Veja o trailer: