Por Domitila Gonzalez
Dr. Fantástico foi lançado no ano de 1964 e daqui já podemos analisar alguns fatos. Enquanto a galera já especulava sobre a Guerra Fria, Kubrick nos presenteava com mais uma película incrível, de humor negro e ácido, colocando em cheque a personalidade dos grandes chefes e, acima de tudo, a capacidade humana de especular sobre absolutamente tudo e fazer de uma mera desconfiança uma guerra nuclear.
Gênio.
Não vou me alongar falando do roteiro, porque é espetacular de tão bom. Transformando elementos não cotidianos em cenas corriqueiras, Kubrick cria o tom da película com facilidade. Imagine só que a amante de um dos generais liga para seu telefone pessoal, no meio de uma convenção sobre a iminência do fim do mundo. Ou que, desesperados, os soldados verificam um código recebido em seu “Livro de Códigos Ultrassecretos”. É como abrir o “Meu Livro de Aventuras” (Up – Altas Aventuras, 2009) e colar um ticket para o Paraíso das Cachoeiras.
Também não vou me alongar falando de Peter Sellers, que dá um show de interpretação ao fazer três personagens ao mesmo tempo (Presidente Muffley, Capitão Lional Mandrake e Dr. Fantástico), deixando claras as mudanças sutis de personalidade.
Aqui, vou falar de Kubrick e suas escolhas.
Vem comigo.
Logo no começo do filme já somos metralhados com informações sobre guerra: aviões, bombas, União Soviética, clima de tensão e… uma música clássica? Sim, uma música clássica.
No melhor estilo Laranja Mecânica de subversão musical, no qual Singing In The Rain vira uma ode à violência, aqui, a melodia suave que muito bem poderia embalar Fred Astaire e Ginger Rogers valsando pelo salão, serve como plano de fundo para aviões de bombardeio.
Além da música subvertida, Kubrick foi responsável por criar o humor negro presente durante todo o filme. Podemos percebê-lo no tom usual da conversa com Dmitri, ao telefone; no cartaz dizendo “Peace is our profession” ao fundo de uma cena de troca de tiros; no teor dos diálogos entre os soldados “Os russos estão envolvidos? – Sim. – Oh, céus!”; ou até mesmo na escolha dos nomes dos personagens: há uma alusão clara a Jack, o estripador, com o nome do General Ripper.
Dr. Fantástico recebeu quatro indicações ao Oscar, em 1965: Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Ator (Peter Sellers), Melhor Diretor e Melhor Filme. Não levou nenhum prêmio da Academia, mas ganhou 3 BAFTAs no mesmo ano: Melhor Filme Britânico, Melhor filme e Melhor Direção de Arte em um filme Britânico.
A nossa geração – a geração Harry Potter – está acostumada a ir ao cinema para ver filmes de guerra que são construídos na base da narrativa heroica: o mocinho que salva um monte de gente, o herói que encontra o terrorista malvado, o investigador que descobre o esquema de espionagem e impede que o mundo acabe.
Ir de encontro a um filme produzido por Kubrick, cuja sátira é a principal linha de raciocínio dentro de uma narrativa de guerra cujo foco não é o heroísmo, torna-se uma experiência incomum e inquietante. Força o espectador a distanciar-se do que está sendo exibido, provocando um pensamento crítico imediato, diferentemente da imersão proporcionada pelos outros tipos de roteiro mencionados acima.
Veja o trailer: