Por Aline Fernanda
No dia 25 de agosto de 1958, em Burbank, Califórnia, nasceu Timothy William Burton. Tim Burton, como ficou conhecido, foi uma criança do fim da era Baby Boom (definição genérica para crianças nascidas durante uma explosão populacional depois da Segunda Guerra Mundial).
Ele não foi uma criança como outra qualquer, cresceu isolado e desde sempre teve um gosto aguçado por monstros e cachorros. Tim adorava desenhos animados e filmes de monstros (filmes clássicos de monstros e ficção cientifica dos anos 1950), preferências essas que apareceriam mais tarde em seus próprios filmes. ”Quantas coisas vemos quando somos crianças e permanecem com a gente… e passamos uma boa parte da vida tentando recapturar essas experiências”, comentou o diretor lembrando dos filmes de terror de baixo orçamento a que assistiu quando crianças.
Os pais do cineastas eram ‘super normais’ e tiveram dificuldades para lidar com as diferenças do seu filho desajustado e pouco tiveram conta/conversas com o então jovem Tim Burton, que acabou se refugiando no mundo da imaginação e seu amor pelo grotesco acabou sendo seu conforto.
“Quando você não tem muitos amigos você se distancia do resto da sociedade; é como se estivesse olhando por uma janela (…), mas existem muitos filmes bizarros por aí, então vocês consegue aguentar bastante tempo sem amigos”, comentou o diretor sobre sua infância.
Cresci vendo coisas como The Brain tha Wouldn’t Die (filme de ficção científica e horror, dirigido por Joseph Green) aos sábados à tarde na televisão. Tem um cara como o braço arrancado e o sangue está espalhado pela parede. Eu vi isso na TV quando tinha oito anos. E nunca enxerguei cenas como esta de forma negativa. Acho que essas coisas, quando não são podres como na vida real, acabam sendo catárticas.”
Foi aos treze anos, inspirado pelos filmes clássicos dos anos 1930 e 1940, que começou a filmar curtas-metragens em sua super 8. Sua primeira tentativa foi inspirado em O Lobisomem, o segundo tinha ar de médico-louco e o terceiro foi sua primeira tentativa de animação, um curta em stop motion com modelos de homem das cavernas.
Ele frequentou o Instituto de Artes da Califórnia, e depois disso desenvolveu seu dom no curta animado Stalk of Celery Monster (1979), que chamou a atenção da Disney.
Apesar de ter ridicularizado a Disney algumas vezes, Tim Burton também foi uma criança do Tio Walt. Ele passou vários anos, frustrantes, trabalhando nos estúdios que deram início a evolução gradual da sua estética de desenhos animados góticos, que mais tarde foram reconhecido como estilo único. O único problema (e não estou falando dos fãs) é que a ‘disneylândia’ do diretor tinha cara de mansão mal-assombrada e sua primeira produção para os estúdios foi o curta animado Vincent (1982), que foi narrado por Vicent Price (conhecido por seus filmes de terror e suspense), e conta a história de um garoto neurótico que finge ser um dos personagens do escritor Edgar Allan Poe.
Apesar de seus “ídolos” serem assassinos e solitários, Frankenstein, Conde Drácula e Lobisomem, Burton, ao invés de retratar sua crueldade, transformou os monstros solitários e mal compreendidos em um cachorro fofo e dócil de um garotinho que não se encaixava (por que será?) em Frankenweenie (1985), seu segundo filme renegado pela Disney.
O curta teve duas apresentações experimentais para pais e crianças, e teve como resposta a classificação PG, que significaria algo como ‘as crianças deveriam assistir acompanhadas de seus pais’, por ter o lance de eletricidade envolvido, o que poderia despertar nas crianças curiosidades perigosas. Burton comentou sobre sua trajetória na Disney em entrevista para jornalista Ana Maria Bahiana:
Não sei, parecia a coisa certa para um estudante de arte como eu. Foi uma experiência muito estranha. Foi um momento de transição na vida da companhia, quando eles não sabiam bem para onde iam. Eu era um estudante de arte do California Institute for the Arts, e a Disney estava recrutando em massa, meio no clima de “entre para o exército”. Para mim isso queria dizer que a Disney era um lugar, aberta a novas ideias. Foi assim que eu fui para na Disney, mas era estranho. (…) Havia pessoas muito criativas e apaixonadas pelo trabalho, mas o trabalho em si era… estranho. Qualquer projeto que fosse realmente novo e diferente logo era arquivado. Era impossível realizar algo como este filme. Por isso sai da Disney”.
Seu grande primeiro trabalho como diretor foi As Grandes aventuras de Pee-Wee (1985), uma brincadeira no universo fofo-sinistro do personagem de TV Pee-Wee Herman, uma criação do ator Paul Reubens, que entrou para o círculo de colaboradores do diretor, que também incluía Rick Heinrichs, designer de produção da época da Disney e o compositor Danny Elfman.
Pee-Wee alcançou o status de cult, foi seguido do sucesso comercial Os Fantasmas se divertem (1987), e o parque de diversões que o personagem Beetlejuice aparecia e desaparecia foi um antecedente em escala menor para a futura Gotan City escura e sombria de Batman (1989) e em seguida Batman – O Retorno (1992). Filmes que foram grande sucessos, e sobre o sucesso o diretor afirmou:
Os filmes do Batman parece que adquirem vida própria, eles estavam quase produzindo a si mesmos, sem que eu ou qualquer pessoa fizesse muito esforço… Eu me considero uma pessoa de muita sorte- acho que comecei a fazer filmes por pura sorte, e por pura sorte fiz fiz filmes que as pessoas gostaram. é uma sensação ótima saber que o público gosta de alguma coisa que você faz. Fora isso é ridículo – essa mania de Hollywood de querer prever tudo, analisar tudo, antecipar o que o público quer, o que vai ser um sucesso…é ridículo. Se essas pesquisas funcionassem, todos os filmes seriam um sucesso. Na verdade, para mim o processo do sucesso é algo misterioso, que me fascina. (…)No final das contas, você está sozinho no set tendo que tomar certas decisões cruciais – e, no meu caso, tomo essas decisões baseada na emoção, nunca na razão, porque comigo decisões racionais nunca funcionam. O sucesso,para mim, é algo mágico, uma surpresa – acho mais divertido assim.”
Burton foi criticado por ter as ideias, mas nunca escrever seus roteiros. Na tela, o que nos identificamos são simpáticas aberrações, monstros e demônios. Até mesmo o Batman que apesar de ser um herói é tão sombrio quanto seus inimigos. “Ele permanece nas sombras. O poder do personagem está em sua solidão e descrença”, acrescenta o diretor.
Muitos críticos disseram que isso seria uma afirmação autobiográfica, também presente em Vincent, Edward Mãos de Tesoura e no estranho Inchabood de A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça.
O Estranho Mundo de Jack (1993) é uma história de natal sombria e cheia de monstros. “Eu adoro contos de fadas, mas eles perderam o significado, por culpa da Disney, que deu uma limpada neles”. Mesmo assim, Burton colocou suas influências de Irmãos Grimm e Struwwelpeter nas veias da Disney até que conseguiu lançar O Estranho Mundo de Jack, que ganhou uma linha de brinquedos e figuras de ações e acabou se tornando a sensação da temporada para crianças (e é uma sensação até hoje).
A influência de Edward Gorey (escritor e artista americano reconhecido por seus livros com ilustrações macabras com tom de humor) ficou mais evidente no segundo livro de Burton, “O triste fim do pequeno menino Ostra e outras histórias” (1997), uma coletânea de 23 poemas curtos e tristes sobre crianças desajustadas, com ilustrações marcadas pelo expressionismo afetivo estranho de seus “rabiscos”. O livro foi dedicado a Lisa Marie, sua então namorada e musa desde os anos 1990. Lisa deu vida a vampira em Ed Wood e a Rainha em Marte Ataca!
O triste fim do pequeno menino Ostra e outras histórias não entrou na lista dos mais vendidos, mas também não foi esquecido, em 2000 o Garoto Mancha, um dos personagens, ganhou uma série de curtas animados publicados na internet, nos quais o diretor coloca o herói lutando contra os vilões Burbank, Roy, o garoto Tóxico; a Garota que Encara e o Cabeça de Bola de Boliche.
O relacionamento de oito anos com Lisa Marie, de quem o cineasta chegou a ficar noivo, teve um ponto final por causa da atriz britânica Helena Bonham Carter. No começo de seu relacionamento com Lisa o diretor declarou “O amor é uma grande massa de conflitos emocionais, e que nunca são simples”.
Bonham Carter tornou-se figura permanente nos filmes de seu companheiro, como a bruxa de Peixe Grande e suas histórias maravilhosas (2003), filme que fez o diretor pensar em seu pai que havia morrido em 2000: “Voltei a pensar no meu pai, e mesmo tendo sido uma relação ruim, no começo era meio mágico. Ele usava dentadura e, nas noites de lua cheia, fingia que ia se transformar em um lobisomem. Nós admirávamos essas coisas e, com isso, percebemos que ele era um personagem meio mágico (…). Fiquei anos sem me lembrar dessa história”.
A Fantástica Fabrica de Chocolates foi uma de suas maiores bilheterias, colocando-se ao lado de outros sucessos do diretor como Batman e O Planeta dos Macacos. Um dos grandes atrativos do filme é a atuação do ator Johnny Depp, outra forte parceria do diretor, dando show como Willy Wonka, que acabou ganhando aplausos até mesmo do inicialmente cético Gene Wilder (primeiro Wonka).
A trupe de Burton (Boham Carter, Depp e Lee) emprestou sua voz, no mesmo ano (2005), para a animação inspirada pelo folclore judeu-russo, A Noiva Cadáver. Victor (Depp) e Emily (Helena) são caricaturas dos próprios atores. Para Helena, sua personagem não tem nada de sombrio: “é uma noção terrivelmente romântica de que vamos nos encontrar com as pessoas de quem sentimos falta (…)”.
Em 2007 foi a vez de Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet, mais sombrio do que as outras obras do cineasta, conta a história de um barbeiro vitoriano que se torna um assassino em série, trama que se originou em publicações de ficção do século XIX. O longa tem um visual de musical da Broadway, com partes sangrentas equilibradas com humor e música.
Alice no País das Maravilhas (2010), estrelado desta vez por Mia Wasikowska, conta a segunda ida de Alice, 13 anos depois, ao País das Maravilhas, e mais uma vez o diretor enche os olhos de seus fãs com uma visão Burtoniana daquele mundo encantado.
E em 2012, a vez foi da adaptação da série de TV homônima Sombras da Noite (confira nossa crítica aqui). Muita informação e pouco desenvolvimento são o grande problema do filme da família de lobos e vampiros. No mesmo ano, para mostrar que não perdeu a mão, o cineasta lança Frankenweenie (leia a crítica), um stop motion baseado em seu curta de 1985.
O próximo projeto do diretor a ser lançado é Big Eyes, que tem data prevista de estreia nos EUA no dia 25 de dezembro de 2014 e não tem data prevista para o Brasil. No elenco nomes como Amy Adams , Christoph Waltz.
Nossa ideia é comentar todos os filmes do diretor lançados até agora, recheando de muitas curiosidades e informações de elenco. Espero que gostem! 😉
Preparamos um podcast especial sobre a trilha sonora da obra de Tim Burton, confiram aqui: