Fellini, Giulietta Masina e Nino Rota: este é um dos maiores e mais sensíveis casamentos do cinema europeu. Dando continuidade ao especial sobre o mestre italiano, hoje abordamos uma de suas principais obras: Noites de Cabíria.

Vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro do ano de 1958, o longa conta com essa tríade no comando e consagra, de uma vez por todas, seu diretor, sua musa, seu maestro e um estilo inigualável.

Pelos olhos do cineasta italiano, vemos a história de uma prostituta que acaba esbarrando em muitas figuras peculiares pela cidade, sempre em busca de seu verdadeiro amor. Não é uma fórmula desconhecida de enredo, mas nem por isso deixa de ser espetacular.

Mais uma vez, Fellini nos apresenta uma Roma repleta de luxo e também de lixo, coloca a voz das verdades do mundo na boca de personagens cujo status social não é alto e abre caminho para que sua musa Giulietta Masina nos esbalde com uma performance cheia de sensibilidade.

É muito bonito ver como Giulietta representa Cabíria. Imagine só colocar o protagonismo de um filme nas mãos de uma personagem que é prostituta! Masina conduz Cabíria com muita facilidade, transformando-a aos poucos em Maria Ceccarelli, saltando do teor cômico para o registro dramático com a destreza de uma grande atriz.

Masina era conhecida como “a Chaplin de saias”. Costumava aparecer em primeiro plano com seu registro palhacesco, com muitas caretas e seus olhos esbugalhados sempre bastante expressivos.

Em A Estrada da Vida, a protagonista se transforma quando vai para o mundo. Aqui, contudo, Cabíria habita o mundo, mas somente tem seu ponto de virada quando mergulha nele profundamente. A passagem do público para o privado é a chave para todas as fichas que caem, dolorosamente, na vida de Maria Ceccarelli.

Mais uma vez, Fellini insere elementos como a religiosidade em seu roteiro. Existem frases espalhadas aqui e ali que indicam a relação forte da protagonista com a fé. Quando vemos a passagem de Cabíria por uma procissão, claramente percebemos que ela não se encaixa naquele mundo, mas acredita piamente nele.

Mais uma vez, tanto no macro quanto no micro, os quadros compostos são ao mesmo tempo sutis e muito fortes. Ressalto um momento de fé em que Cabíria reza por uma mudança de vida: “Oh, Virgem Maria, faça com que eu mude de vida! Conceda-me esta graça, oh, Madonna!”.

Noites de Cabíria faz parte de um momento na carreira de Fellini em que ele estava começando a lançar seus primeiros filmes, ainda em preto-e-branco. Por isso, a composição dos quadros tem muitas texturas tanto nos figurinos quanto no cenário.

Vemos bonitos jogos de luz, reencontramos as listrinhas, os varais, a chuva e a porção de prostitutas em seu ponto central, debaixo das sombrinhas tão características. Assim como os quadros ganham camadas, o figurino da protagonista também cresce em elementos e adereços ao longo de sua trajetória.

Fellini emociona nas escolhas precisas. Faz o balanço dramático de seu roteiro colocando em paralelo à protagonista personagens sóbrios como Alberto Lazzari. Um ponto altíssimo do filme é a cena-sonho de Cabíria, durante um número de hipnose, num teatro.

Pode ser muito bonito assistir a um filme de Fellini. Mas também pode ser muito cruel. Sobretudo, não é tão fácil de ser visto, como não é fácil encarar que nossos maiores problemas muitas vezes se encontram nas esferas privadas e individuais.

As metáforas fellinianas são quase tragédias inteiras – líricas, cômicas e cruas. “Io non voglio più vivere”, Cabíria repete. “Eu não quero mais viver”. Ainda assim, mesmo no auge de sua dor, temos um sorriso, uma lágrima arlequinesca, um borrão de rímel e a melodia de Nino Rota: Cabíria acredita que é possível ter fé.

E para quem quiser conhecer mais a fundo a obra do diretor, no próximo domingo, 28, os assinantes dos canais Telecine poderão conferir a Mostra Fellini, que acontece a partir das 11h no Telecine Cult. Farão parte da programação os longas A Voz da Lua, Abismo de um Sonho, Os Boas Vidas, Noites de Cabíria, A Doce Vida, 8 ½ e Julieta dos Espíritos.

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