Por Magno Martins
Mesmo depois de muitos anos de carreira, com diversos filmes que fizeram de Charles Chaplin um dos maiores diretores do cinema, O Grande Ditador é, sem sombras de dúvidas, o maior filme de toda sua carreira. Esse fato não se contempla apenas pelo filme em si, mas por todo o contexto histórico que a obra aborda. Como já escrito sobre os filmes anteriores, Chaplin sempre teve uma visão única da humanidade em suas produções mostrando que, independentemente da história, ele sempre manteve uma voz ativa a respeito de importantes momentos históricos.
Como sabemos, a Primeira Guerra Mundial deixou o mundo suscetível, o que acarretou uma série de consequências negativas: quebras de economias, exclusões sociais, traumas em famílias que foram prejudicadas diretamente ou indiretamente com a ganância de nações que sempre insistiram (e insistem até hoje) em mostrar todo o seu poder. Pouco mais de duas décadas, a Segunda Guerra Mundial veio à tona, trazendo mais horrores que a primeira, mostrando o tanto que o ser humano pode ser inconstante e vulnerável, independentemente de sua classe social.
Nesse contexto, Chaplin encontrou combustível para criar a que foi considerada sua maior obra. Como contextualizar sua arte em um momento histórico tão difícil? Como se manter persistente diante daquilo que acredita, mesmo quando as pessoas mais próximas alertam que a produção pode prejudicar todo o seu trabalho e sua carreira? Mesmo com toda sua expertise, Chaplin tinha um novo desafio pela frente, totalmente diferente de tudo o que ele já havia produzido.
Uma das maiores curiosidades em torno da produção de O Grande Ditador é que ela apenas iniciou quando seu amigo Alexander Korda disse que havia muitas semelhanças físicas entre Adolf Hitler e Charles Chaplin. Com isso, o diretor iniciou uma pesquisa sobre a vida de Hitler e, então, descobriu que o grande Fuher nasceu com quatro dias de diferença do que ele, além de ter crescido em uma região pobre e ter tido uma ascensão bem parecida com a sua. Com tudo isso e com o contexto da Segunda Guerra Mundial, Chaplin iniciou a construção do personagem Adenoyd Hynkel, um ditador extremamente satírico sobre a vida e o poder de Adolf Hitler. Além desse personagem, ele criou outro personagem, o Benzino Napaloni, representando uma sátira de Benito Mussolini. Porém, Chaplin quis manter um personagem que parecesse bastante com o lendário Vagabundo: então ele criou o Barbeiro, um judeu que prestou serviços na Primeira Guerra Mundial e que seria um personagem chave de toda a trama.
Quando Chaplin apresentou sua nova produção para executivos de estúdios, familiares e amigos, logo tentaram e muito convencê-lo a desistir de O Grande Ditador. Porém, um inesperado incentivo veio de ninguém menos que Franklin Delano Rossevelt, presidente dos EUA, para que Chaplin continuasse com o filme. E, mesmo sabendo que ele era um imigrante do Reino Unido, esse incentivo fez com o que Chaplin seguisse em frente, mesmo com as ameaças e possibilidades de ser considerado comunista e ser entregue aos poderes do Nazismo. Com a falta de apoio financeiro para o seu filme, Chaplin decidiu que financiaria sua nova produção, que custou nada menos que US$ 2 milhões, e iniciou as filmagens em 1937, um ano após do lançamento de Tempos Modernos. Para o longa, Chaplin resolveu ceder de uma vez ao cinema falado, onde seus personagens, tanto o Barbeiro quanto o Hynkel tiveram seus diálogos sonoros em todo o filme. Não deve ter sido muito fácil para Chaplin aderir ao cinema falado, mas o filme seria uma grande oportunidade de passar uma grande mensagem, ele sempre pensou com muita cautela em suas decisões de suas produções.
Durante 539 dias, Chaplin produziu, atuou e dirigiu O Grande Ditador. No decorrer das filmagens, ele se sentia cada vez mais incomodado, já que diversas notícias sobre as ações nazistas se alastravam pelo mundo. Chaplin chegou a afirmar que quando ele vestia as roupas do personagem Hynkel, ele se sentia mais poderoso e, ao mesmo tempo, mais agressivo com todos de sua produção e até mesmo com os atores. Para o personagem Hynkel, Chaplin criou diálogos bem parecidos com a língua alemã. A atriz e esposa de Chaplin, Paulette Goddard, interpretou o papel da judia Hannah, personagem que o diretor utilizou para homenagear sua mãe, Hannah Chaplin. Além disso, Chaplin escalou Jack Oakie para interpretar Benzino Napaloni, personagem que marcou para sempre a carreira do ator.
O filme começa mostrando as batalhas de Tomânia (representando a Alemanha) da Primeira Guerra Mundial, onde o Barbeiro é um soldado cadete. Mostrando um pouco do lado do Vagabundo, algumas cenas bem engraçadas foram inseridas no filme, principalmente quando o ele tenta se salvar de um míssil que está a ponto de explodir. Após salvar o soldado Schultz (Reginald Gardiner) e sofrer um acidente, o Barbeiro perde completamente a memória e, após anos de internação, ele retoma sua vida. Porém, a Segunda Guerra Mundial é anunciada nesse meio tempo e, como o Barbeiro é um judeu, começa a sofrer perseguições dos soldados de Hynkel. E, como já era de se esperar, Chaplin cria a imagem perfeita da perseguição do Nazismo contra os judeus: os soldados incendeiam sua Barbearia e o Barbeiro observa tudo aquilo, com um olhar de tristeza. Essa é uma das cenas mais marcantes de O Grande Ditador, mostrando claramente como a violência e a perseguição eram cruéis contra os judeus durante o período.
Paralelamente, a história de Hynkel é apresentada no filme, mostrando ser um ditador dependente de seus subordinados e, ao mesmo tempo, um homem inquieto e extremamente conturbado por problemas psíquicos aliados ao excesso de poder em suas mãos. Claro que Chaplin utilizou o humor em diversas cenas, porém, a cena mais instigante e marcante do filme é quando mostra Hynkel brincando com um globo terrestre, ao saber que poderia se tornar o único e maior imperador do planeta. Essa cena, como todas as atuações de Chaplin, mostram como o poder dado a Hitler era extremamente perigoso. Essa é uma das tomadas mais incríveis do cinema e, o mais curioso de tudo, é que a cena só foi inserida no filme após Chaplin se lembrar de ter feito uma cena parecida em um de seus vídeos caseiros. É uma cena incrível, cheia de símbolos e representações que passava claramente a mensagem de que o mundo estava sendo sendo controlado por um megalomaníaco sem limites e que toda aquela Segunda Guerra Mundial era um grande erro contra a humanidade.
E, claro, que os personagens Barbeiro e Heynkel se cruzam em um determinado momento do filme. Se Chaplin já mostrara toda sua genialidade e maestria em um pouco mais de uma hora e meia de filme, esse certamente foi o momento culminante do filme: quando o “Ditador” começa seu discurso, após invadir Osterlich (representando a Áustria), tornando-se uma das maiores e mais impactantes mensagens já transmitidas no mundo cinematográfico. A convicção de Chaplin nesta cena é tão incrível que ele pisca apenas dez vezes durante cinco minutos de discurso. O mais curioso é que esse discurso foi inserido no filme após Chaplin saber que a França estava sendo invadida pelas tropas nazistas.
Quando Chaplin lançou O Grande Ditador, em 1940, um mar de críticas positivas veio à tona em seu trabalho. A Inglaterra, que até então havia anunciado banir o filme das salas de cinemas britânicas, resolveu utilizar o filme contra o regime nazista em sua nação. Já o general Dwight D. Eisenhower solicitou cópias dubladas em francês do filme para exibi-las na França após a vitória dos aliados contra Hitler. Porém, os Balcãs conseguiram uma cópia do filme e, ao ser exibido em um cinema militar alemão, os soldados dispararam suas armas contra a tela, mostrando repúdio e ódio contra as sátiras de Chaplin com o personagem Hynkel. Já na Itália, o filme teve as cenas da esposa de Napaloni cortadas, em respeito à morte da esposa de Mussolini na vida real. A versão original só foi exibida em 2002.
O Grande Ditador se tornou o maior sucesso de bilheteria de Charles Chaplin. As premières do filme aconteceram em dois cinemas de Nova York, Astor e Capitol, em 15 de outubro de 1940. Foi um evento de gala, com grandes convidados como Franklin D. Roosevelt, H.G. Wells, Alfred E. Smith, Charles Laughton, Elsa Lanchester, Constance Collier, James A. Farley e Fannie Hurst. Charles Chaplin e sua esposa Paulette Goddard compareceram em ambos eventos (após alguns anos, Chaplin e Paulette se divorciaram). Além disso, o filme recebeu cinco indicações ao Oscar de 1941, nas categorias Melhor Filme, Melhor Ator (Charles Chaplin), Melhor Ator Coadjuvante (Jack Oakie), Melhor Roteiro Original e Melhor Trilha Sonora. Porém, perdeu em todas as categorias.
Como ainda não haviam divulgado sobre os horrores dos campos de concentrações durante a Segunda Guerra Mundial, Chaplin declarou que, se soubesse de toda a insanidade de Hitler, ele jamais teria feito o filme. Foram três anos de muita produção, muitos problemas técnicos e um grande desafio. Claro que nada disso seria um problema para Charles Chaplin, afinal, um grande gênio do cinema sabia exatamente o legado que queria deixar.
Veja o trailer: