Por Jenilson Rodrigues
Não havia melhor maneira de estampar esse texto do que com uma imagem de Dona Thereza, personagem mais emblemática de Santo Forte, obra excepcional do sempre competente Eduardo Coutinho. Muito além de um documentário, esse trabalho apresenta depoimentos verdadeiros, em momentos reais. O próprio Coutinho em entrevistas acerca do filme fez questão de mencionar a diferença de registrar tais testemunhos com uma equipe de filmagem realizando este trabalho e captando detalhes de instantes que possivelmente não apareceriam no caso de uma entrevista mais formal com os personagens em questão.
E diferentemente do que costumamos ler ou ouvir a respeito de religião, ou sobre o que cada grupo ou igreja representa, ao acompanharmos Santo Forte acabamos adquirindo uma noção mais sincera sobre algumas crenças e do comportamento de pessoas com relação a sua fé. Um exemplo de tal diferença é o caso do senhor apelidado de “Taninha”, que apesar de se declarar católico, admitia já ter passado por experiências com a umbanda e se julgava feliz dessa forma. Assim como Taninha, outros personagens experimentavam seguir tal caminho e pareciam se sentir à vontade com a escolha, mesmo diante do cenário de intolerância muitas vezes criado por vários representantes religiosos que não concordam com esse tipo de opção por parte dos fiéis.
O filme é fruto da coleta de opiniões e relatos de alguns moradores de uma favela carioca, mas a informalidade das conversas conduzidas por Coutinho acaba por criar uma proximidade entre o espectador e os personagens. Em poucos minutos já é possível esquecer que o que vemos na tela é o relato sobre a vida de outras pessoas. Fica difícil até se desconectar do universo desses moradores após conhecer e acompanhar um pouco mais sobre seus dramas, seus medos e desventuras relacionadas à sua vivência religiosa.
Coutinho vai além da ideia de apresentar cenas de cultos ou instantes artificiais que poderiam ser reproduzidos para a demonstração da fé dos personagens. A representação se torna tão verdadeira através de sua capacidade quase hipnótica de conduzir suas conversas, que nem mesmo uma manifestação religiosa espontânea dos entrevistados poderia ganhar um caráter mais verídico. O filme apresenta algumas imagens de rituais em passagens rápidas intercaladas por cenas silenciosas e perturbadoras de ambientes vazios. Tais momentos compõe a estrutura narrativa de Santo Forte, consequentemente lhe conferindo um ritmo agradável e ao mesmo tempo interessante.
A história destas famílias causa a impressão de que muitas delas têm a consciência da importância que a fé possui em suas vidas, apesar de aparentemente não se sentirem livres. É como se tudo ao seu redor fosse fruto de uma graça que teriam recebido e pela qual deveriam lutar sempre para recompensar quem o ou que lhe ajudou a alcançar essa dádiva. Ainda assim, muitos dos personagens apresentados em Santo Forte pareciam não se importar com tal “dívida”, mesmo que para alguns deles falte o brilho no olhar que muitas vezes captamos nas pessoas que aparentam estar em paz consigo mesmas.
Veja o vídeo: