Por Jenilson Rodrigues
Guerra. Stanley Kubrick se utiliza mais uma vez de batalhas humanas em seu quinto longa-metragem para produzir sua versão da extraordinária história do escravo que se tornou um líder de uma revolução heroica frente ao Império Romano. Assim como no ótimo filme Glória Feita de Sangue (1957), Kirk Douglas está no papel principal e comanda uma jornada épica e inesquecível dentro da história do cinema. A diferença é que em Spartacus as rajadas de metralhadoras são substituídas pelo tilintar das espadas, ao invés das explosões, ouvimos gritos de gladiadores e a disputa em questão vai muito além das ambições humanas por riqueza e poder. É praticamente um combate de Davi X Golias.
Na verdade, a guerra não figura exatamente como tema principal do filme, ela se mistura aos conflitos causados por um dos tratamentos mais desumanos a que um homem pode ser submetido, a escravidão. Encontramos na introdução o personagem Spartacus como um simples servo do Império Romano, num período anterior ao cristianismo e trabalhando numa mina na região da Líbia. Com temperamento peculiar e espírito selvagem, ele se diferenciava dos demais, o que acabou chamando a atenção do lanista Lentulus Batiatus (Peter Ustinov), um sujeito que comprava escravos no intuito de treiná-los e transformá-los em gladiadores. Sua intenção era usá-los em batalhas sangrentas que serviam como mero entretenimento para os romanos. Os vassalos eram selecionados para seu ludus (escola de gladiadores), com a ilusória promessa de serem mais bem tratados, porém era só uma forma de forjar outro tipo de servidão. Spartacus foi o sujeito que liderou uma revolta dentro do ludus onde foi treinado por não aceitar as condições cruéis de vida dos gladiadores e ao mesmo tempo não querer virar um fantoche para o divertimento dos romanos. A revolução contagiou vários escravos inconformados espalhados por toda a região, dando início a uma incrível marcha de rebeldes rumo a tão sonhada liberdade.
Spartacus é baseado no romance homônimo de Howard Fast, de 1951. O autor também foi um dos roteiristas do longa. A escolha de Kubrick foi acertada. O perfeccionismo do cineasta quase o impediu de assumir a direção pouco tempo antes das filmagens serem iniciadas. Ele acabou substituindo Anthonny Mann, que havia sido demitido. Sendo assim, o diretor se viu obrigado a trabalhar com um projeto onde não tinha total controle criativo. Ajudado por uma ótima e instigante história, Kubrick – além de produzir um dos grandes filmes de sua carreira – deu um passo fundamental na evolução do seu trabalho.
Pela primeira vez o uso de cores aparece em uma obra do diretor, e estas são aproveitadas da melhor forma possível. A fotografia é exuberante e dialoga com todo o clima de revolta, poder, romance e crueldade presentes no filme. Outros destaques são os figurinos impecáveis e a trilha sonora marcante composta por Alex North. As músicas em determinados momentos são suficientes para trazer emoção a cenas de ação ou romantismo em instantes mais sensíveis da trama, efetivamente substituindo diálogos amorosos ou efeitos sonoros impressionantes. A ótima trilha é usada também para a introdução de cada uma das três partes narrativas de Spartacus, o que atenua de certa forma a longa duração do filme que acaba se estendendo por mais de três horas. Ainda assim, graças à integração dos aspectos técnicos quase perfeitos, o roteiro não se mostra arrastado e a ótima montagem garante a diversão do início ao fim. Veríamos mais tarde em 2001 – Uma Odisséia no Espaço (1968), Stanley Kubrick utilizando o mesmo recurso da trilha sonora funcionando em sintonia com o desenrolar dos acontecimentos e tendo um papel fundamental dentro do desenvolvimento da trama.
Spartacus foi premiado com quatro Oscars em 1961: Melhor Direção de Arte, Melhor Fotografia, Melhor Figurino, e Melhor Ator Coadjuvante para Peter Ustinov. As atuações impressionam, pois todo o elenco faz um trabalho notável, desde o cast principal até os figurantes que foram imprescindíveis para construir uma das cenas mais espetaculares de batalha campal de filmes épicos do cinema. Uma sincronia perfeita que durante alguns minutos consegue hipnotizar qualquer espectador. Mais de 8.000 soldados da Infantaria Espanhola foram utilizados nas filmagens para compor o exército romano retratado no último confronto do longa.
Esta história magnifica ainda ganhou outras versões, tanto no cinema quanto na TV. Destaque para a sangrenta série televisiva produzida em 2010 por Robert Tapert e Sam Raimi, uma bela obra, porém mais centrada em sexo e violência. O Spartacus de Stanley Kubrick mostra um lado mais humano do personagem, envolvendo suas emoções mais profundas. Um sujeito capaz de rir, amar, se indignar e ainda se humilhar nos momentos certos para em seguida revidar o insulto na mesma moeda. É uma produção impressionante que valoriza cada detalhe da vida desta figura histórica ímpar, desde sua coragem e determinação mesmo diante do risco iminente da morte até a glória das lágrimas de um guerreiro.
Veja o trailer: