Antecipando as discussões sobre os 50 anos do Golpe Militar, Temática Histórica politizou os debates e trouxe de volta a questão da censura

Seminário do Cinema Brasileiro proporcionou intercâmbio entre profissionais brasileiros e internacionais, colocando a tecnologia em pauta na preservação audiovisual

Mais de 20 mil pessoas participaram da extensa programação oferecida gratuitamente ao longo dos seis dias do evento

Encerrada a oitava edição da CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto o evento consolida-se uma vez mais como espaço único e legitimado para a discussão sobre a história e preservação do cinema brasileiro, além das aplicações do cinema na educação, reunindo mais de 100 profissionais de 66 arquivos e acervos de todo o país para uma programação intensa composta por 20 debates, encontros e reuniões que aproximaram o setor de preservação e permitiram um grande intercâmbio de ideias e experiências.

“Diante dos avanços conquistados nesta edição do Encontro Nacional de Arquivos e Acervos Audiovisuais, a ABPA reafirma a importância fundamental da Mostra de Cinema de Ouro Preto – CineOP como fórum privilegiado para a reflexão e encaminhamento das ações sobre preservação audiovisual no Brasil. A entidade mantém o compromisso de continuar a luta pelo desenvolvimento de toda e qualquer ação necessária à excelência da preservação audiovisual brasileira”, afirmaram os membros da ABPA – Associação Brasileira de Preservação Audiovisual na Carta de Ouro Preto 2013, divulgada no encerramento da 8a CineOP.

A carta destaca ainda a maior aproximação com o Ministério da Cultura/Secretaria do Audiovisual visando a atuação conjunta na construção de políticas públicas para a preservação audiovisual no país, exigindo a inclusão da classe no Conselho Consultivo da SAv e no Conselho Superior de Cinema, além de pleitear a criação de uma linha de investimento exclusiva em preservação audiovisual junto ao FSA – Fundo Setorial do Audiovisual.

A política, seja ela audiovisual ou em um sentido mais amplo, permeou praticamente todas as discussões do Seminário do Cinema Brasileiro. Enquanto os debates da Temática Histórica resgatavam o período inicial da Ditadura Militar, entre o Golpe de 1964 e o AI-5 em 1968, relembrando em especial a censura pela qual os filmes brasileiros passavam, as discussões da Temática Preservação levantavam a necessidade de políticas públicas para o setor, seja no financiamento de ações de preservação, seja na formação de mão de obra qualificada.

Uma das mesas mais aguardadas da Temática Histórica, que reuniu cineastas como Nelson Pereira dos Santos, Francisco Ramalho Jr, Maurice Capovilla e o homenageado desta 8aCineOP, Walter Lima Jr, debruçou-se sobre a questão da censura, expandindo-a para além da Ditadura Militar. “A questão da censura não tem data, ela existe desde que o Brasil nasceu como nação e continua até hoje, de maneira mais sutil”, afirmou Nelson Pereira. Segundo Francisco Ramalho Jr, “há hoje uma retração do movimento libertário. Se fizermos um filme com conteúdo muito erótico, ele não será exibido, não terá espaço. E há a censura econômica. Dependendo da temática de seu filme, você não conseguirá patrocínio para realizá-lo”. Walter Lima Jr seguiu na mesma linha: “Hoje, órgãos públicos de cinema tem ideias e exigências tão arbitrárias sobre o que deve ser o cinema brasileiro quanto a ditadura. Um pitching é um verdadeiro pelotão de fuzilamento, que censura ideias como se censuravam filmes na década de 60”.

Já na Temática Preservação, o encontro mais aguardado foi certamente o do Presidente do Conselho da Cinemateca Brasileira, Ismail Xavier, com os membros da ABPA. Depois de anos de tentativas de aproximação, o encontro mostrou-se uma oportunidade rara de alinhamento entre o maior acervo audiovisual do país e a entidade máxima da preservação audiovisual, no qual não podia faltar o principal tema que mobiliza a classe nos últimos meses: a crise institucional da Cinemateca Brasileira.

Para além das questões políticas, o Seminário do Cinema Brasileiro foi importantíssimo também por permitir o intercâmbio entre profissionais de diversas regiões do Brasil e até mesmo do exterior. Debates e workshops permitiram a troca de experiências e conhecimento entre os diversos acervos, enriquecendo o debate.

As reflexões e propostas da temática educação avançaram nesta CineOP. Pela primeira vez os debates e encontros contaram com a presença de representantes oficiais do Ministério da Cultura, João Batista da Silva, diretor de Gestão de Políticas Audiovisuais da SAV/Minc, e do Ministério da Educação Binho Marques, Secretário de Articulação com os Sistemas de Ensino, que assumiram o compromisso de estabelecer um novo diálogo com os profissionais do setor do audiovisual e educação. “Estamos confiantes com o compromisso estabelecido pelo Ministério da Educação para efetivar ações que atinjam todos os níveis de ensino, pontos de cultura e, em particular, as escolas de educação básica. Acreditamos no fazer audiovisual como um pré-texto para a descoberta e invenção de si e do mundo”, ressalta Adriana Fresquet, coordenadora da Rede Kino.

A 8ª CineOP sediou o V Fórum da Rede Kino que contou com a participação de profissionais brasileiros e internacionais, em especial latino-americanos, vindos da Colômbia, Chile, Equador e Argentina. Na Carta de Ouro Preto 2013 eles reafirmaram a educação como um direito e enfatizaram a necessidade de articulação da educação com a criação cinematográfica e demais linguagens audiovisuais, por meio de práticas que ampliem as possibilidades de acesso à diversidade da produção de todas as regiões do Brasil e América Latina.

Na mesa do debate “Cinema, Política, Estética e Pedagogia”, os professores André Brasil (UFMG), Cézar Migliorin (UFF) e Ana Lúcia Soutto Mayor (UFRJ) discutiram a possibilidade de pensar a relação entre o audiovisual, em particular o cinema, como forma de agenciamento de práticas do olhar e do fazer. O debate trouxe reflexões sobre a importância de poetizar a razão no espaço escolar e a infância como ponto de partida para se pensar possibilidades estéticas e pedagógicas.

Já a mesa “Experiências Latino-Americanas de Cinema com Crianças” contou com a presença do fundador do projeto Vídeo nas Aldeias (PE), Vincent Carelli, que completa 27 anos de atuação. Carelli relatou suas experiências de produção audiovisual com os povos indígenas. O cineasta chileno Ignacio Agüero apresentou o processo de criação do documentário “Cem crianças esperando um trem”, que investigou a pedagogia de Alicia Vega com a utilização do audiovisual em escolas de lugarejos do Chile.

Além de debates e reflexões, a 8aCineOP exibiu 54 filmes de 11 Estados brasileiros em 35 sessões de cinema realizadas em três espaços de exibição: o Cine BNDES na Praça, o Cine-Teatro e o histórico Cine Vila-Rica. O eixo da programação histórica destacou o cinema brasileiro produzido entre o Golpe Militar de 1964 e a instauração do AI-5 através de seis filmes emblemáticos do período. Já a programação contemporânea exibiu cinco longas, quatro médias e 30 curtas.

A CineOP promoveu ainda mais uma edição do Cine-Expressão, onde foram realizadas 10 sessões de cinema, seguidas de Cine-Debates que contaram com a participação de 29 escolas beneficiando mais de 3.500 alunos e educadores da rede pública de Ouro Preto. Já as tradicionais oficinas, seis nesta edição, diplomaram 195 alunos, contribuindo para exercitar o fazer cinematográfico, refletir sobre a preservação e a história do cinema brasileiro e aproximar o cinema da educação. A Mostra beneficiou mais de 20 mil pessoas, recebeu 205 convidados, sendo quatro internacionais, e 149 profissionais atuaram na equipe de trabalho do evento.

Uma edição histórica que aproximou os setores da educação e da preservação ao Estado brasileiro. Diante dos avanços conquistados nesta edição, a ABPA – Associação Brasileira de Preservação Audiovisual – e a Rede Kino reafirmaram a importância da CineOP como espaço privilegiado para discussão, compartilhamento de experiências e encaminhamento de ações conjuntas nos âmbitos das relações entre cinema, educação e cultura.