Quando criança, não existia internet, nem DVD e meu pai não tinha grana para nos comprar um vídeo cassete. Mesmo assim, meu gosto por filmes começou ali. Minha fonte era principalmente a Sessão da Tarde com filmes de cachorros perdidos e dramas protagonizados por crianças. Era tão viciado que já sabia a época em que os filmes passavam. Um dos que mais gostava de ver era A Cura (1995) que conta a história de um menino que sofre bullying por ser portador do vírus da Aids e consegue um amigo que o protege (sim, eu gostava de uns filmes dramáticos e ainda gosto). Eu sabia que em algum momento entre final de novembro e início de dezembro, esse filme iria passar na TV. Pois, dia 1º de Dezembro é o Dia Mundial de Combate a Aids e na TV sempre passava comerciais falando sobre o assunto e já ficava atento para quando o filme seria exibido.

E, como era de se esperar, época de Natal também tínhamos os mesmos filmes. Quando começava as propagandas do Caminhão da Coca Cola e especial de fim de ano do Roberto Carlos eu já sabia que iria passar dois filmes que eu mais gostava de assistir: Batman – O Retorno (1992) (que já escrevi um texto sobre aqui, no Cinemascope) e Esqueceram de Mim (1990). Esse segundo, acho que é o filme que mais assisti na minha vida e que choro de rir até hoje, quando já estou beirando os 30 anos. Inclusive, ano passado foi tema de minha festa de final de ano com meus amigos da faculdade de cinema.

Provavelmente você deve estar pensando: “Cara, esse filme já passou mil vezes!”. Sim, mas queria destacar algumas coisas que observo nele e que, hoje ainda, acho muito interessante. Esses pontos as vezes passam despercebidos principalmente por ser uma comédia pastelão direcionada para um público infantil. Mas, nem por isso, chega a ser uma produção mal feita, tanto que até hoje ela é lembrada com carinho (inclusive por mim).

Para relembrar, Esqueceram de Mim, conta a história de Kevin McCallister (Macaulay Culkin) que, às vésperas do Natal, é esquecido em casa pela família que foram passar as férias em Paris. No tempo em que ele fica sozinho, descobre que dois assaltantes estão planejando invadir a sua casa. Com isso, ele vai fazer de tudo para impedir que eles tenham sucesso.

A primeira coisa que acho interessante, é conseguir representar muito bem a época de Natal. Além da decoração das casas, a trilha sonora com sinos, o filme ainda traz personagens que estão presentes na festividade de fim de ano, sendo debaixo das neves Americanas ou  das chuvas de verão brasileiras: os parentes.

A cena da reunião na casa dos McCallister um dia antes da viagem, é uma das minhas favoritas do filme. Ela serve para apresentar os principais personagens do filme, não que vão ser presentes em todo ele, mas que serão responsáveis por piadas ao longo e ainda, formar as características do  protagonista Kevin.

Lá estão o Tio “Pão Duro” Frank (Gerry Bamman) e sua esposa Leslie (Terrie Snell) que sempre protege o marido. Os primos adolescentes e pré-adolescentes que vivem se alfinetando e sendo chatos. Dos primos, o que acho mais engraçado é o Fuller McCallister (que quando criança eu achava que se chama Folha). Ele parece ser aquele primo que sempre acontece alguma coisa com ele. Está sempre caindo, é cheio de alergias e, por isso, a mãe trata como se fosse de louça.

Nessa cena Kevin fica revoltado de a casa estar cheia demais, ninguém ter guardado um pedaço de pizza do sabor que ele queria e ter que dividir a cama com o Fuller e acaba causando um acidente. Dormir com o Fuller é problemático principalmente por que o primo costuma fazer xixi  na cama se toma refrigerante. É interessante que nesse momento, vemos Fuller segurando uma lata de Pepsi que parece ser maior do que ele e sorrindo. Uma curiosidade é que o ator que interpreta o Fuller, Kieran Culkin, é irmão do Macaulay Culkin na vida real.

 

Além desses tem o irmão metido a rebelde e durão, Peter McCallister (John Heard), a mãe Kate McCallister (Catherine O’Hara) que acha que sempre cabe mais um e o pai Peter McCallister (John Heard que faleceu recentemente) que ver todo mundo sempre animado.

Gosto também do vizinho penetra e curioso que é um dos responsáveis pelo erro de cálculos que fez Kevin ser deixado para trás. Essa figura também é bem comum nas vizinhanças por ai e não somente na época do Natal. É aquele pequeno que vai na sua casa um dia pra brincar com alguma criança da casa ou mesmo para uma visita com a mãe, e, depois disso, sempre aparece sem ser convidado. E o pior, é uma metralhadora de fazer perguntas. Eu sempre sofria quando o pentelho achava minhas miniaturas do Star Wars e minha coleção de Batmóveis. Era desesperador. Com o tempo, você está sempre com pressa ou prestes a sair só pra fugir da peste.

É essa peste aí mesmo!

Outro ponto interessante é o desenvolvimento do personagem de Macaulay Culkin, Kevin McCallister. Ele começa como um garoto chato (aliás, boa parte dos personagens aqui são bem chatos) e termina o filme como uma criança esperta que prende bandidos. É uma criança aprendendo a enfrentar seus medos infantis como gente grande.

Aqui tem expresso também o embate direto do mundo infantil com o adulto. Kevin ainda não pode ser considerado nem um pré adolescente. Ele ainda não consegue fazer muitas coisas sozinho, tem medo do porão que tem um forno que parece ter vida e acha bizarro uma revista, que encontra nas coisas do irmão mais velho, em que tá “todo mundo pelado” como, ele mesmo diz. No decorrer do filme ele passa por um amadurecimento conforme as coisas vão acontecendo. Se a principio ele aproveitava a liberdade de comer um quilo de sorvete enquanto assiste um filme violento, ele passa a fazer compras para casa e até a lavar roupas. E isso é construído através do roteiro. Diversas situações que o garoto é obrigado a enfrentar fazem com que ele vá se transformando. Aliás, outra curiosidade é que o roteiro foi escrito por John Hughes, que foi diretor de clássicos dos anos 90 como Clube dos Cinco (1985), Curtindo a Vida Adoidado (1986) e A Malandrinha (1991), esse último eu também adorava ver quando criança.

Um personagem que quero destacar é o Sr. Marley (Roberts Blossom). No início ele é um assassino sanguinário que mata as pessoas e guarda seus corpos numa lata de sal que ele arrasta pelas ruas (nos Estados Unidos, para diminuir o volume da neve nas ruas, eles costumam jogar sal). Depois de diversos sustos de Kevin com Marley acabam tendo um diálogo que é um dos mais interessantes do filme. É uma troca de experiências de uma criança ainda inocente (aparentemente) e um senhor já grisalho e já cansado da vida.

Aqui coloco mais um ponto para o roteiro, pois, para que chegássemos a este momento, foi tido todo um trabalho de desenvolvimento de personagens. Esse é um dos momentos “filme de natal” de Esqueceram de Mim, em que ouvimos mensagem de perdão e compaixão, típicas dessa festa do ano. Mas, que não parece ser algo forçado, como se do nada dissesse algum espírito divino que fizesse aquelas palavras surgirem da boca dos personagens.

Ah, Sr. Marley era bonzinho, na verdade.

Recentemente, apareceu uma discussão sobre um possível furo de roteiro no filme. Se as passagens estavam todas juntas, como, na hora de contar quantas pessoas estavam entrando no avião, a pessoa responsável por fazer isso, não viu uma passagem a mais que seria do Kevin? A resposta foi que, na cena que citei logo no início, da reunião de família, é entornado refrigerante nas passagens e, sem querer, o pai Peter, joga uma delas no lixo.

Além desses destaques ainda temos as cenas clássicas das armadilhas de Kevin para os ladrões, a pegadinha com um trecho de um filme para um entregador de pizza e as encenações com bonecos para parecer que a casa está cheia. Acho que esses aqui entram mais como uma liberdade poética do filme, digamos a parte “fantasia”. Falando em fantasia, tem uma parte que também gosto que é o diálogo de Kevin com o Papai Noel. Ele vai até a casa do Noel e fala: “Olha moço, eu sou uma criança mas sei que você não é o Papai Noel de verdade.” Olha, que maduro esse moleque, pensamos nós. “Mas, eu sei que você trabalha pra ele”. Bom, nem tanto, na verdade ele ainda é uma criança.

Pensando em todos esses pontos, acho que sei por que gostei tanto desse filme quando criança. A história é contada toda do ponto de vista de Kevin, mentalidade que certamente era a minha na época. As descobertas do mundo dos adultos são bem estranhas para um garoto. E, além disso, mostram que, mesmo parecendo ser um mundo ameaçador, é possível lidar com boa parte dos seus desafios e, boa parte dos medos, são só fruto da imaginação fértil de um garotinho. E ainda por cima, passar por isso tudo sem um osso quebrado, os ladrões presos e tendo os pais de volta (até hoje me emociono com a cena da mãe retornando a casa e abraçando o Kevin).

Certamente na época eu não tinha essa visão do filme. Só achava “legal” e torcia para a Globo não o exibir na noite de Natal, pois a casa iria estar cheia de gente e seria impossível de assistir (é sério). Hoje acho interessante assistir e ter essa experiência novamente de como a mente de uma criança funciona. Como é o mundo aos olhos dela, além das questões técnicas e de roteiro que sublinhei acima.

No embalo desse filme, sempre que via Macaulay Culkin em algum filme eu corria pra ver. Isso fez eu ter outros filme vigiados na Sessão da Tarde como a continuação Esqueceram de Mim 2 – Perdido Em Nova York (1992), Riquinho (1994), Meu Primeiro Amor (1991) e um que me deixou traumatizado foi O Anjo Malvado (1993). Esse me fez ficar com muito medo. Como assim o Kevin que era tão bonzinho tá fazendo essas maldades?! Não pode ser! Fiquei chocado quando assisti a primeira vez.

Depois dos dois primeiros, Esqueceram de Mim chegou até o episódio 5, mas os demais não tiveram a presença de Macaulay Culkin. Isso fez as produções perderem o fôlego, não tiveram a mesma graça que os primeiros. Mas o primeiro vai ficar para sempre na minha memória. Os dois primeiros são dirigidos por Chris Columbus que depois  dirigiria outros sucessos como Uma Babá Quase Perfeita (1993), Harry Potter e a Pedra Filosofal (2001) e Harry Potter e a Câmara Secreta (2002).

Esqueceram de mim é, então, um daqueles que quando a gente tá numa bad, mesmo fora da época de Natal, colocamos para ver novamente e se sentir bem sem ter que pensar muito. É nostalgia em forma de latas de tinta penduradas e armadilhas para bandidos.