Por Felippe Gofferman

Escrito e dirigido por Ryan Coogler (Fruitvale Station – A última parada; 2013), Creed: Nascido para lutar é uma ode a Rocky (1976) e toda a franquia, mas se apresenta como uma releitura moderna e bem resolvida que não se limita em replicar a estrutura e acrescenta a trama doses de um refinamento até então não visto na série de filmes protagonizados por Stallone.

Enquanto, em 1976, Rocky Balboa lutava para melhorar de vida e tinha em suas costas o orgulho da classe operária imigrante, agora, em Creed, Coogler tem a acertada decisão de inverter as coisas ao apresentar o jovem Adonis, filho de Apollo Creed, como um aspirante a boxeador que viveu boa parte de sua vida tendo os privilégios de crescer em uma família rica.

Após 40 anos de seu debute como o garanhão italiano, Sylvester Stallone encontra em Adonis, personagem de Michael B. Jordan, um elo com seu passado e ao mesmo tempo um puxão para o presente mais que necessário. Nesse sentido, o jovem protagonista é muito bem trabalhado para evocar a carga de nostalgia obrigatória em um filme como esse, mas em um contexto totalmente novo.

O longa, fruto da paixão do diretor e do protagonista pela franquia, traz para o mundo do velho boxeador uma versão atualizada do esporte e do mundo que lhe rodeia.  Creed apresenta uma nova Filadélfia, uma nova cultura de rua e um novo caminho para seu protagonista.

Para acompanhar as mudanças causadas pela passagem do tempo na nostálgica Filadélfia de Rocky, Ryan Coogler aposta em uma direção que não se priva de símbolos ou referências e que demonstra sua grande capacidade de construir uma cena de ação em seus momentos de suspense que antecedem o clímax de um grande golpe ou do soar do gongo.

Coogler e Maryse Alberti, sua diretora de fotografia, desenvolvem, em uma das lutas do filme, um plano sequência que parece fazer a câmera dançar no ringue enquanto acompanha cada soco, cada esquiva, cada jato de saliva misturada com sangue que voa da boca dos atletas, cada reação dos treinadores do lado de fora do ringue e que coloca o espectador no meio daquele ritual de força e destreza. Por dois rounds passeamos pelo ringue através de uma coreografia precisa e um belíssimo trabalho de câmera.

A busca do diretor por uma identidade visual que se destaque do resto da série conversa com a história de Adonis, que tenta se afastar do legado do pai para atingir seus objetivos pelos próprios esforços. A estrutura clássica da franquia e a história de Apollo são inegáveis tanto para Coogler quanto para Adonis, mas ambas funcionam apenas como um empurrão para uma nova leitura do clássico criado por Stallone.

Michael B. Jordan é carismático, arrogante e imaturo na medida certa, o que provoca uma química perfeita com Sylvester Stallone e remete a relação de Rocky com Apollo, enquanto o ator veterano, em Creed, atinge talvez sua melhor performance como o ex-lutador que agora parece assumir o papel de Mickey, seu velho treinador.

Stallone leva às telas um Rocky que carrega o peso das mortes de seus familiares e amigos, mas que preserva aquela personalidade fechada e o hábito de manter para si os problemas. Rocky é visualmente a representação de quem apanhou, caiu e se reergueu centenas de vezes tanto no ringue quanto fora dele. As marcas da idade, a expressão dura, as mãos inchadas e a coluna curvada da caracterização do boxeador aposentado fortalecem ainda mais a magnífica atuação de Stallone. Em determinado momento, quando finalmente o personagem decide desabafar e colocar para fora, por exemplo, é difícil não se emocionar. Stallone, assim como Rocky, amadureceu e adicionou ainda mais camadas a seu personagem mais icônico.

Creed: Nascido para lutar traz de volta o tema clássico, mas não como a muleta que virou, mas como um presente ao espectador que cresceu vendo a franquia e se arrepiou luta após luta quando o acorde da música de Bill Conti começava a tocar. Aqui, Coogler aproveita o tema original para pontuar momentos e reforçar a nostalgia, mas lhe confere nova roupagem e adiciona à trilha sonora uma batida mais atual e condizente com o momento do boxe e da juventude do novo protagonista. Talvez fosse um lugar seguro para o diretor, ainda em seu segundo longa-metragem, lançar mão da icônica trilha para tornar mais memoráveis algumas de suas bem filmadas cenas, mas a sua coragem de transformar Creed em um novo produto e o ponto de partida para algo ainda maior prevaleceu e deixou o filme ainda mais marcante.

Rocky, até então, era aquele atleta que, após anos de prática em alto-rendimento, evita reconhecer que a hora de se aposentar chegou, mas felizmente para Stallone a história de Ryan Coogler lhe permitiu uma saída gloriosa dos holofotes. Creed: Nascido para lutar é uma bela surpresa em meio a uma leva de remakes e continuações caça-níqueis.

Creed

Creed:Nascido para lutar (Creed)

Ano: 2015.

Direção: Ryan Coogler

Roteiro: Ryan Coogler, Aaron Covington.

Elenco Principal: Michael B. Jordan, Sylvester Stallone, Teresa Thompson, Phylicia Rashad.

Gênero: Drama.

Nacionalidade: EUA.

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