Não é a primeira e nem deve ser a última vez que o debate sobre o racismo deve ser levantado pelo cinema. Durante toda a história, tivemos de diversas formas essa questão tocada, algumas vezes de forma crua, visceral e com lugar de fala – como o ignorado na época nas premiações e hoje clássico Faça a Coisa Certa. Temos também da forma bonitinha, inofensiva e leve, que não incomoda o público branco, como Conduzindo Miss Daisy, vencedor do Oscar de 1990.

Não à toa, há várias semelhanças do filme de 1989 com esse Green Book: O Guia, dirigido por Peter Farrelly. Mais conhecido por dirigir com seu irmão, Bob, comédias escatológicas como Debi & Lóide Quem Vai Ficar com Mary?, além do tema racial, há a dinâmica do motorista e passageiro de raças diferentes e que passam a criar um laço conforme a viagem prossegue.

Baseado numa história real de 1962, o guarda-costas de um clube noturno, Tony Vallelonga (Mortensen), procura alguma forma de ganhar dinheiro enquanto o clube está em reforma. A oportunidade aparece quando é cogitado para ser motorista do músico Dr. Don Shirley (Ali). Porém, além de Tony inicialmente ser racista e precisar dirigir para um homem negro, ele terá que fazer uma turnê com Don pelo sul dos EUA, um local extremamente racista. Conforme a viagem se desdobra e suas diferenças são postas em jogo, a amizade dos dois se fortalece.

Roteirizado pelo próprio Farrelly, Brian Currie e por Nick Vallelonga (filho do verdadeiro Tony), a história tem seus pontos altos no humor. Não que se tratem de piadas elaboradas ou visualmente interessantes (o que nunca foi a especialidade de Farrelly), mas ao menos divertem. E boa parte da graça vem pela noção do cineasta ser habituado com a comédia e do carisma monstruoso de Viggo Mortensen e Mahershala Ali.

Mortensen, filho de um dinamarquês, recria o típico ítalo-americano que poderia ter saído direto do universo de O Poderoso Chefão, mas numa ótica bem mais leve. Ele consegue fazer Tony um sujeito bruto e malandro, que conquista a empatia pela franqueza de suas falas e ações, ao mesmo tempo que consegue convencer as pessoas com sua força física e também com suas falas (vide a forma como ele consegue subornar dois policiais).

Já Ali concebe um Don Shirley não apenas fino e delicado em seus gestos (a forma como limpa com as mãos a sujeira na carta de Tony), mas erudito pela forma como se expressa e escolhe as palavras, o que dá uma dinâmica cômica dele com Tony. Ali também é protagonista dos momentos mais emocionantes, que embora clichês em certas horas, é feito com paixão pelo ator. Sendo que em certa altura, ele verbaliza de forma catártica o seu pertencimento a lugar algum, por não se interessar pela música e cultura que a sociedade diz negras, como é usado pela elite branca apenas para eles se sentirem mais cultos.

Porém, essa discussão é trazida de forma bem superficial, já que ele não consegue fugir do lugar comum quando quer ser um drama ao trazer de forma repetitiva e óbvia os episódios de racismo que Doc sofre. Uma delas, quando ele decide comprar um terno, é um exemplo de barriga no roteiro, onde só serve para martelar a mesma ideia de existir racismo e não leva a história adiante.

A narrativa também é prejudicada pela direção bastante corriqueira de Peter Farrelly. O diretor nunca foi alguém visualmente sofisticado, sabendo fazer apenas o básico em suas comédias. Mas aqui ele parece querer mostrar serviço e compõe planos com escolhas inexplicáveis, como ao colocar um flare de um raio de sol enquanto os personagens comem um frango frito, numa cena claramente de humor. Fora isso, mais uma vez ele faz um trabalho que, no máximo, é correto.

Um ponto positivo é a recriação de época, cujo design de produção reproduz com beleza e charme as roupas e objetos de cena dos anos 60 nos EUA e pela trilha sonora que varia do rock de Little Richard até o jazz e a música clássica.

Em um ano onde tivemos filmes que debatem sobre a causa racial de forma original e com lugar de fala, como Ponto Cego, Infiltrado na Klan Pantera NegraGreen Book: O Guia empalidece por tratar do racismo da forma mais inofensiva e óbvia possível, embora longe de ser tecnicamente incompetente.

Green Book: O Guia

Ano: 2018
Direção: Peter Farrelly
Roteiro: Nick Vallelonga, Brian Currie, Peter Farrelly
Elenco principal: Viggo Mortensen, Mahershala Ali, Linda Cardellini, Sebastian Maniscalco, Dimiter D. Marinov, Mike Hatton
Gênero: ​Comédia, Drama
Nacionalidade: EUA

Avaliação Geral: 3,0