Por Katia Kreutz
Parece que a Marvel acertou novamente. Depois de duas tentativas de engatar a franquia do Homem-Aranha, com resultados diversos (a trilogia com Tobey Maguire teve seus bons momentos, mas os dois filmes com Andrew Garlfield no papel de Peter Parker não tiveram o mesmo sucesso), o estúdio traz de volta o frescor do personagem com o divertido e despretensioso Homem-Aranha: De Volta Ao Lar.
A princípio, a perspectiva de um segundo reboot de Homem-Aranha em menos de duas décadas, com um novo e quase desconhecido ator, parecia fadada ao fracasso. O primeiro acerto, no entanto, foi passar longe das já desgastadas origens do super-herói. O segundo foi a escolha de Tom Holland para viver o adolescente deslumbrado que cai de cabeça em um mundo extraordinário e tenta, aos trancos e barrancos, mostrar seu valor.
Holland foi introduzido à turma dos Vingadores no ano passado, em Capitão América: Guerra Civil. A pontinha do novato foi bem recebida pelos fãs, que passaram a aguardar ansiosamente a volta do herói mais nerd dos quadrinhos. A vantagem do ator com relação a seus predecessores é que ele realmente parece aquele sujeito magrinho e pálido que se dá bem nas aulas de Química e alimenta uma paixão platônica pela menina mais popular do colégio. Ao mesmo tempo em que incorpora esse garoto desajeitado, que não consegue se encaixar, ele é suficientemente atlético para as manobras do Aranha, além de esbanjar o carisma e o bom humor, que são cânones do personagem.
Com muita inteligência, o diretor Jon Watts explora bem esse deslumbramento de Peter junto aos Vingadores, em especial frente ao seu mentor Tony Stark, vulgo Homem de Ferro (o sempre ótimo Robert Downey Jr.). Pela câmera do celular do garoto, acompanhamos o clímax de Guerra Civil em Berlim e a incredulidade dele em fazer parte do “clubinho” dos super-heróis, mesmo sendo apenas um iniciante. Para seu desapontamento, a euforia dura pouco.
De volta ao bom e velho bairro de Queens, em Nova York, o jovem espera impacientemente por sua próxima missão, que nunca chega. Ele inferniza a vida do assistente de Stark, Happy Hogan (Jon Favreau), mas nem toda a insistência do mundo é capaz de fazer com que o milionário acredite que o garoto está preparado para entrar, de fato, no time – ao menos não sem uma babá. Spidey precisa se contentar em ser o “super-herói amigável da vizinhança”, lidando com pequenos roubos e ajudando idosos na rua.
Um dos pontos positivos do filme é a facilidade de se identificar com o personagem. Todos já fomos adolescentes inseguros, com vontade de abraçar o mundo. Já passamos pela ingenuidade das paixões juvenis, os problemas na escola, a necessidade de provar que éramos (ou somos) capazes. Peter Parker é apenas um cara normal, meio esquisito, longe de ser o mais popular, até visto por alguns como um fracassado. A própria alcunha de Homem-Aranha parece exagerada, já que ele não passa de um menino. Na maior parte do tempo, é um herói que não tem nada de “super”… pelo menos não ainda.
A história acompanha a vida de Peter entre os conflitos na escola, seu relacionamento em casa com a tia May (Marisa Tomei) e a tentativa de conciliar tudo isso com a responsabilidade de ser o Homem-Aranha. Nesse contexto, suas vivências no colegial quase remetem a uma comédia adolescente de John Hughes (Curtindo a Vida AdoidadoO Clube dos Cinco). A diversidade de etnias do elenco de apoio (com Zendaya, Jacob Batalon e Laura Harrier) é um passo à frente para o estúdio que lançará, em breve, o primeiro filme de super-herói com um protagonista negro (Pantera Negra). Um passo pequeno, porém, na direção certa.
O vilão, desta vez, aparece de forma mais interessante do que nos filmes anteriores do Aranha. Michael Keaton interpreta Adrian Toomes (o Abutre), um empreendedor falido e desesperado que, para sustentar a família, acaba se envolvendo em um esquema de produção de armas com tecnologias alienígenas. Revoltado com um sistema injusto, ele simplesmente deixa os escrúpulos de lado e resolve tomar, à força, o que considera seu por direito. Assim como Peter, Toomes vê a presença Tony Stark com certo ressentimento – um homem poderoso, perto de quem se sente descartável e insignificante. Herói e vilão têm frustrações parecidas, mas lidam com elas de maneiras opostas. Por suas diferenças, mas também pelo que têm em comum, uma das melhores cenas do filme é um confronto direto entre o Homem-Aranha e o Abutre – nem sequer uma luta, mas um simples diálogo.
As batalhas e as grandes cenas de ação de Jon Watts não se comparam à inventividade visual de Sam Raimi nos filmes com Tobey Maguire, mas os efeitos são competentes – ainda que um pouco genéricos. O traje high tech do Aranha, com uma voz à la Siri (ou Jarvis), remete a um dos maiores sucessos da Marvel, o Homem de Ferro. É como se o herói veterano levasse o jovem protegido pela mão, rumo ao sucesso. Uma das críticas a Homem-Aranha: De Volta Ao Lar é justamente seguir a fórmula que tem dado certo nas bilheterias: a conhecida jornada do herói, com uma pitada de humor e leves mudanças de uma história para outra, dando a impressão de algo novo. Mas não é essa familiaridade que atrai tantas pessoas a esse gênero?
O diferencial, talvez até pela inédita parceria da Marvel com a Sony, está em tentar diminuir um pouco a escala, trazendo o herói adolescente para um universo cinemático um pouco menos grandioso e mais familiar. Um filme de fantasia e entretenimento, que não faz questão de ser sério ou duro – caminho seguido por muitas franquias de super-heróis desde Batman: O Cavaleiro das Trevas. O equilíbrio entre humor e ação faz com que reconheçamos em Peter um ser humano como a gente, nem sempre importante ou competente, mas que quer fazer a diferença. Ele comete seus erros, quebra a cara, mas se levanta e segue em frente. Afinal, como o próprio Tony Stark disse: “Se você não é nada sem a roupa de super-herói, não merece usá-la.”
 homem aranha de volta ao larAno: 2017
Direção: Jon Watts
Roteiro:Jonathan Goldstein, John Francis Daley
Elenco principal:Tom Holland, Michael Keaton, Robert Downey Jr., Marisa Tomei, Jon Favreau, Zendaya, Jacob Batalon, Laura Harrier
Gênero: ​Ação, aventura
Nacionalidade: Estados Unidos