Por Domitila Gonzalez

Se você ainda não conhece um japonês chamado Hayao Miyazaki, com certeza já viu o Totoro (Meu Aimgo Totoro – 1988) ou a Chihiro (A Viagem de Chihiro – 2001) enfeitando alguma lancheira por aí. Sem me alongar muito, vou resumir assim: o cara é O CARA. É o setentão nipônico mais famoso do mundo e o fez por merecer.

Confesso que o primeiro filme dele que vi foi o do Totoro e de lá pra cá fiquei extremamente apegada a: A Viagem de Chihiro, O Castelo Animado (2004) e ao FOFO do Ponyo: uma amizade que veio do mar (2008). O que esses três têm em comum, além de ter o vovô nipônico no comando dos desenhos? Em todos eles se desenvolve uma narrativa fantástica, que pode conter desde bolotas peludas não identificadas ou patos zoiudos esquisitos, até uma menina-peixe que gosta de miojo.

Vidas ao Vento, contudo, não tem absolutamente nada disso. Ao me deparar com o novo longa-metragem em animação do Studio Ghibli, encontrei uma narrativa madura e cheia de sutilezas que só o Miyazaki é capaz de pintar. O vento na água, as hélices do avião, a grama voando no fim de tarde e as cores das nuvens depois do terremoto.

Baseado em fatos reais e inspirado num mangá também escrito por Miyazaki, vemos a história de Jiro Horikoshi, um menino que desde pequeno sonha em construir aviões e que torna-se o engenheiro responsável por construir o caça japonês mais potente da Segunda Guerra Mundial. A maior parte do filme Jiro passa tentando construir esse caça potentíssimo e só então, pimba: percebemos. É um filme adulto!

Quer dizer, não adulto no sentido de “senil”, mas adulto no sentido de maduro, não especificamente produzido para o público infantil. Um exemplo disso é o fato de a distribuidora decidir que só serão exibidas cópias legendadas.

É. Esse é um filme maduro. E talvez seja bom que o foco não seja o público infantil. Não que uma criança não possa gostar, não é isso. É que algumas coisas às quais Hayao se refere propõem uma reflexão diferente. A relação do sonho com a vida real, valores de um país em guerra, a relação trabalho versus família, e a economia em ascensão ou recessão.

O começo do filme é banhado em neblina e vento. Suavemente embalado por uma trilha que se repete nos momentos-chave, percebe-se a alternância dos instrumentos principais do arranjo vez ou outra, o que traz sensações diferentes ao espectador.

Engraçado perceber que a primeira vez que ouvimos uma música, o que fica aparente é uma sanfona ao fundo, fato que nos leva imediatamente à percepção de um ambiente italiano. Esquisito, claro, porque o menino que vemos nos primeiros minutos não só está no Japão como é japonês… MAS – sonha com o senhor Caproni, seu ídolo engenheiro, idealizador dos primeiros aviões que obtiveram sucesso e personagem companheiro de reflexões durante todo o resto de sua trajetória.

Falei que a narrativa fantástica não estava presente, mas isso não anula a presença da fantasia nas cenas descritas por Miyazaki. Os próprios aviões desenhados como pássaros, a impressão de que o som das hélices foi feito pela boca ou até mesmo o modo como silêncio e barulho invadem e saem de cena, de fininho, deixa claro o carinho que eles tiveram ao produzir cada parte da história.

Vemos cenas do interior contrastando com loucuras do começo do século XX num Japão que caminha para o seu próprio fim. Chinelinhos de madeira e roupas coloridas dão lugar a fumaças de trens e tons mais neutros conforme o personagem evolui.

O vento está presente em cada parte do filme, em primeiro ou segundo plano. Na verdade não importa: é ele quem leva o avião para o céu, faz brotar os sonhos de Jiro, desenha na fumaça do cachimbo ou bagunça os cabelos do enfezadinho Sr. Kurokawa – que sem dúvida nenhuma ganharia o Oscar de melhor personagem coadjuvante.

Gosto das meninas de Miyazaki. Fortes, fofas e sensíveis. Não são melosas e muito menos grosseiras em suas desengoncices. A irmã mais nova de Jiro me lembrou um pouco Chihiro. E ah!, como Naoko é linda! Que que é aquele casamento improvisado, meu povo?! E os flocos de neve entrando na casa de chá ao mesmo tempo que a noiva? Posso casar assim, também?

De qualquer maneira, achei pouco mais de 2h de filme um número ambicioso. Lá pela uma hora e pouco fiquei levemente cansada e parece que o ritmo deu uma caída, mas logo voltou.

A música foi bem escolhida e dentro da variação de arranjo é possível perceber a mesma melodia tocada em xilofone, clarinete, acordeon, trompete, piano e violão. Lindo, né? Isso é tão rico, leva o espectador pra tantos lugares inusitados…

Torço para que Hayao Miyazaki não cumpra, mais uma vez, sua promessa de finalizar a carreira. Que Pikachu me perdoe, mas ainda não existe nada que se compare a ele na indústria oriental de animações.

Cinemascope-vidas-ao-vento (7)Vidas ao Vento (Kaze Tashinu)

Ano: 2013

Diretor: Hayao Miyazaki

Roteiro: Hayao Miyazaki

Vozes: Hideaki Anno, Miori Takimoto, Hidetoshi Nishijima.

Gênero: Animação/Drama

Nacionalidade: Japão

 

 

 

Assista ao trailer:

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