Por Aguinaldo Flor

Alex Medeiros tem vinte anos na indústria do entretenimento: diretor, produtor, roteirista, editor, programador, executivo. Atualmente diretor artístico responsável por séries originais do Gshow, já produziu mais de 700 episódios de webséries, com 4 indicações ao International Digital Emmy®. Dirigiu documentários, videoclipes e a primeira série da Globo criada para a internet, “A Lei de Murphy”. Nos EUA, trabalhou na Walt Disney Company e estudou Cinema na Newhouse School, em Syracuse, Nova York. Com uma estética muito bem estruturada, um desenho de som extremamente bem feito, #Garotas – O Filme é seu primeiro longa-metragem, recheado de muito humor sarcástico e um drama pesado quando se descobre que chegou a hora de crescer.

 

Cinemascope: #Garotas – o Filme é de narrativa geralmente explorada por grupos de amigos homens, como surgiu a ideia de fazer com três amigas? Essa amizade entre as jovens adultas tem alguma inspiração?

Alex Medeiros: Eu estava em busca de algo novo que não tivesse sido produzido no mercado nacional. Gosto de filmes jovens e de modelos americanos que retratam esse momento de rito de passagem com um modelo narrativo de 24 horas. Sinto falta de personagens femininos marcantes no cinema, acho que isso é geral para todos os gêneros e estilos de filmes. Em #Garotas eu conto duas histórias de 24 horas ao mesmo tempo. O réveillon com essa história de ano novo, vida nova, também contribui com essa história de rito de passagem. Outro ponto que quis abordar por sentir falta em produções foi o de retratar uma fatia de jovens na faixa de vinte e poucos anos. Temos muitos filmes sobre a adolescência, mas poucos sobre essa fase de fim da faculdade, de família classe média, que ao chegar na última fase universitária, enfrenta a realidade do fim definitivo da infância, encarando a necessidade de procurar emprego e tomar decisões que irão definir sua vida durante muito tempo.

Cinemascope: A Giovana Echeverria, Barbara França e Jeyce Valente mostram um grau de intimidade alto, os diálogos fluem como um bate papo natural entre amigas de muito tempo. Como você conseguiu enxergar essa fluidez entre as atrizes durante o processo de seleção do elenco?

Alex Medeiros: Como desde o início me propus a tratar esse universo dos jovens, do rito de passagem, da mistura de gêneros do humor rasgado com o drama mais sério eu precisava ter uma linguagem muito realista. Para chegar nisso era absolutamente fundamental um trabalho bastante profundo de elenco. Nesse processo eu precisei tomar a decisão, que foi acertada, de escalar o trio de protagonistas antes de qualquer coisa. Elas surgiram na história do filme antes de qualquer pessoa da equipe, por exemplo, ter figurinista e diretor de fotografia. Um fato importante era que elas não poderiam ser apenas artistas comuns, elas tinham que ter uma vontade forte de querer passar alguma coisa, de se comunicar, de se expressar. Então eu procurei atrizes que tivessem essa alma de artista muito forte dentro delas, não meninas que estivessem procurando apenas sucesso, mas que tivessem uma expressão artística forte. Eu acho que acabei tendo sorte, pois fizemos relativamente poucos testes e a química delas foi muito forte. A Giovana Echeverria, eu já tinha trabalhado antes, ela sempre me chamou muito atenção por ser uma atriz muito intensa e tinha facilidade de registrar muitas emoções conflitantes.  A Bárbara França eu não conhecia, chegamos até ela através de testes, fiquei surpreso, pois é uma menina que tem um corpo de modelo que poderia estar vivendo só disso, exclusivamente da aparência, mas seu foco é buscar essa coisa da expressão e levar a carreira a sério. A Jeyce Valente também é uma atriz completa, tem uma formação muito boa, escreve e dirige teatro e tem um blog que discute questões feministas. Eu tenho que realmente usar essas palavras, eu dei bastante sorte, porque no primeiro dia do ensaio com o trio funcionou bem e elas abraçaram esse processo bastante arriscado do improviso e gostaram muito dessa abordagem do texto aberto. Dado que a base de nossa produção foi uma casa, então elas passaram muito tempo juntas lá, faziam provas de figurinos, passavam texto, ensaiavam, tudo era lá. Foi uma imersão profunda que funcionou bem porque eu tive essa felicidade de encontrar três atrizes que não se contentam em fazer apenas o óbvio.

Cinemascope: A narrativa do filme segue em um paralelo entre o Réveillon anterior e atual, apesar de continuar cômico durante os 105 minutos da obra, percebemos que a história da Beth vai amadurecendo e vamos descobrindo um forte drama em sua história. Como você percebeu esta maturidade em uma atriz tão jovem quanto a Giovana? Vem de outros trabalhos juntos?

Alex Medeiros: Legal essa pergunta, eu acho que ela tem uma característica individual, uma expressiva facilidade de transitar por emoções diferentes e conflitantes. Participamos juntos de um trabalho curto, a filmagem de um clip para uma banda heavy metal de um amigo. O clip tinha uma narrativa bem simples, mas o que me chamou atenção não foi apenas a atuação mas também o processo dela. A Giovana é uma atriz muito sedenta por referências, por conhecimento, sempre mergulha muito profundamente em tudo o que faz. O filme apresenta uma carga dramática pesada devido ao trabalho das atrizes. A história da Beth (Giovana Echeverria) sempre foi essa no roteiro, mas durante o processo ela foi demonstrando muita firmeza nos ensaios e muita vontade de trazer essas questões para o lado mais real possível, ela é uma atriz que não tem medo de se jogar nas coisas imprimindo bem emoções conflitantes e isso é muito raro, estou muito feliz com o trabalho dela no filme.

Cinemascope: O lema do filme diz que “Não é um filme de mulherzinha” e o Brasil está justamente vivendo um movimento feminista muito forte nas redes sociais e, agora, nas ruas. Foram dois anos para o filme chegar nas telas dos cinemas, você já enxergava o início deste movimento durante a produção do filme?

Alex Medeiros: Não chegou a ser uma profecia, mas comecei a escrever esse filme no início de 2013, nesse intervalo aconteceu esse fenômeno das manifestações, não tive a intenção de fazer um filme com essa carga política. Eu acho que tem um movimento de uma grande polarização no Brasil, tem um lado muito libertador e outro muito conservador. Tenho uma filha adolescente que fará 18 anos e uma afilhada de 20 anos, o filme não tem uma correlação com elas, mas convivo muito com mulheres e eu procuro observar o que está se passando a minha volta. E voltando a sua primeira pergunta sobre a narrativa do filme, do rito de passagem, eu sempre soube que não queria fazer um filme sobre o passado, sobre quando eu era jovem, isso não me interessa, quero saber o que está acontecendo agora, o que irá acontecer no futuro. Então eu me coloquei na posição de observador de coisas que estão acontecendo, como por exemplo, a mudança de comportamento das mulheres. Eu procuro refletir no filme algo que está acontecendo nesta época pois sou filho, sou pai e como observador não posso deixar de ser detalhista ao falar sobre um universo no qual as mulheres estão tentando tomar posse da vida delas, fazer o que elas querem com o corpo, buscando fugir de julgamentos. E durante este período de observação eu estava refletindo sobre um comportamento que estava crescendo cada vez mais e que hoje chegou ao ápice.

Cinemascope: Você se preocupou em fazer um filme bem naturalista, com um diálogo ácido falando sobre sexo de forma simples e natural, o que é pouco comum no cinema brasileiro. Você acha o nosso cinema ainda é muito pudico?

Alex Medeiros: Eu acho que o nosso cinema está em um processo de mudança, nós temos tido um avanço. Há uma polarização que classifica o filme automaticamente como entretenimento e por outro lado, filme que é classificado como de arte, mas na minha cabeça, essas coisas não deveriam se excluir. São dois extremos, de um lado, as grandes comédias e no outro os festivais, eu não consigo me identificar com um desses extremos. Pessoalmente eu prefiro uma linguagem mais real, utilizando o naturalismo e o improviso. Eu dirigi o filme que eu escrevi, então tive a liberdade muito grande de fazer do jeito que eu queria. Estamos em um momento que precisa explorar mais caminhos, não acho que o cinema no Brasil, de modo geral, seja conservador em si, mas que a gente cruza pouco os gêneros e estilos, isso me incomoda um pouco, a distância entre o comercial ou o cult.

Cinemascope: Apesar de ser um filme independente, várias pessoas foram envolvidas na produção. Qual foi o maior desafio durante os 18 dias de filmagem?

Alex Medeiros: Engraçado, nunca ninguém tinha me feito essa pergunta. A gente trabalhou com um plano de filmagem muito apertado, isso é o preço de você fazer um filme muito independente, o roteiro de filmagem tinha 101 cenas e 94 páginas, foi tudo muito rápido. Especificamente o maior desafio foi quando estávamos terminando as noturnas da casa. Tínhamos a programação de 12 diárias na casa, 4 diárias na boate e 2 diárias em Angra. Em Angra foram muito tranquilas, na boate foram pesadas, mas as 12 diárias da casa foram um inferno. Na última noite tinha uma quantidade grande de cenas e me vi obrigado a abrir mais uma unidade de cena, mandei vir uma segunda câmera e operador. Tem cenas do filme que enquanto eu estava dirigindo as meninas no quarto, outra cena estava sendo montada no lado de fora da casa. Eu saia da casa e ia para o terraço, passei quase uma noite inteira fazendo isso, talvez esse foi o momento mais difícil.

Cinemascope: Saindo do conforto da Globo e da Disney para um filme independente, qual é a sua maior recompensa?

Alex Medeiros: A maior recompensa é que eu realmente fiz um filme inteiro onde eu tive liberdade criativa total, eu fiz tudo o que eu quis fazer do jeito que eu quis fazer, eu valorizo muito essa liberdade. Para quem trabalha no audiovisual, de modo geral, está sempre transitando entre algo que é industrial (sempre), corporativo (às vezes) e comercial (quase sempre), só que a arte é o imponderável, o maior desafio da nossa profissão, seja em projeto grande ou pequeno, é deixar a arte aparecer através de todos esses meandros mais burocratas que são necessários e que viabilizam você fazer arte através de som e imagem. Às vezes eu acho que o meu projeto tem vida própria, ele quis muito acontecer. Ele foi acontecendo, as pessoas foram se aproximando do processo, as meninas mergulharam dentro desse filme, o elenco todo participou.

Cinemascope: Fazer um filme independente no Brasil ainda é um grande desafio. Após todos os desafios enfrentados durante a produção de #Garotas, você tem planos de fazer novos filmes de forma independente? Quais são os seus projetos futuros?

Alex Medeiros: Esse filme me consumiu muito, eu fui fazendo o filme durante dois anos, editando de madrugada, fim de semana, tirando tempo da minha família, neste exato momento não tenho nada engatilhado para fazer outro filme. Mas eu gostaria muito de fazer um filme de terror, eu sou muito fã deste gênero, sempre acreditei que o meu primeiro filme para cinema seria um filme de terror. Acabou que não aconteceu assim, eu tenho um roteiro escrito há três anos, mas não aconteceu, não sei quando vai sair, mas eu gostaria de fazê-lo.