Por Sttela Vasco
Há sempre uma grande expectativa quando o estúdio Ghibli anuncia uma nova animação. O entusiasmo é ainda mais justificável quando as obras chegam aos cinemas brasileiros. Vindo das mãos de Isao Takahata (O Túmulo dos Vagalumes), um dos fundadores do estúdio, e indicado ao Oscar de Melhor Animação de 2015, O Conto da Princesa Kaguya se baseia no secular conto japonês O Corte do Bambu para nos dar uma lição de humanidade e também de animação.
Quando um cortador de bambu encontra uma minúscula garotinha em um broto da planta, ele tem certeza de que trata-se de um presente dos céus para sua família. Com o tempo, Kaguya se torna uma bela jovem, tratada como princesa, que chama a atenção de cinco nobres da região. Enviando os jovens em missões impossíveis, a garota deverá lidar com as consequências de suas decisões e também com o curso de sua vida.
O Conto destoa de qualquer animação existente no circuito. Não se engane ao pensar que a obra se limita ao público infantil, muito pelo contrário. Esta produção de Takahata é um filme extremamente adulto, maduro, com mensagens que se transformam conforme as crenças e vivências de cada um e personagens extremamente humanos.
Sua protagonista, apesar de ceder às vontades da família por amor, é forte, rebelde e cheia de vida. Não há vilões ou mocinhos, o longa não divide o mundo em bons ou maus, mas mostra que somos seres com ambiguidades, que possuímos tanto o bem quanto o mal e que pendemos para cada lado conforme a vida acontece. Não há nada senão humanidade nas criações de Takahata.
Indo contra o que naturalmente se espera das animações atuais, O Conto não apresenta sua história mastigada e entregue de bandeja ao espectador. Sua beleza está justamente em sua pluralidade. Não há uma mensagem concreta, uma lição de moral fácil. Há, na verdade, um sentido e significado próprios para cada um. Envolvê-lo em uma única definição seria limitá-lo, e limites é algo que esta obra claramente não tem. Pode-se tomar as mais diferentes direções ao se analisá-la.
Kaguya pode ser desde uma bela metáfora sobre a vida e a morte até uma referência a lições e ensinamentos promovidos e praticados pelas mais diferentes religiões e filosofias. O verdadeiro significado – se é que há um único – não importa. O longa tem lições bem mais importantes a dar como a obsessão humana por aparências, a vaidade e também a falsa noção de que poder e riqueza são sinônimos de felicidade.
Conforme Kaguya tenta satisfazer as vontades de seu pai – que cada vez se encontra mais cego por sua ambição – mais infeliz ela se torna e menos consegue obedecer as ordens que lhe são impostas. Sem conseguir agradar a família ou agir de acordo com o que esperam, ela se vê presa em um ciclo no qual fere a si mesma para agradar aos outros, mas não obtém sucesso e se sente culpada pela infelicidade alheia. Nisso, pode-se refletir a visão errônea que às vezes os pais têm do que é bom para os filhos, acreditando que estão fazendo tudo para o seu bem, mas, no entanto, agindo de forma a condicioná-los a uma vida que não é exatamente a que almejam.
O pai de Kaguya usa a suposta felicidade da filha para a satisfação própria, que se resume em ser aceito pela alta sociedade a qual tenta inserir a menina. É possível pensar no quanto nos apegamos a aparências para tentarmos nos encaixar em padrões ou níveis, como às vezes renegamos o que somos preocupados em atender a moldes. Em meio a sua ânsia de ser aceito pela classe alta, o pai da jovem princesa não consegue perceber que a simplicidade era o que realmente a realizava.
Os traços delicados, leves, podem até dar a impressão de despreocupação, mas são uma ferramenta a mais na construção do roteiro. As linhas, um tanto fracas e desbotadas no início, vão ganhando força conforme a pequena princesa cresce, e vão se alterando de acordo com seus sentimentos. Em um de seus clímax, quando a princesa foge, os traços passam a ficar sombrios, confusos, até se transformarem em rabiscos. O desenho conversa com o filme, o conduz, é parte de sua evolução.
O roteiro lento pode cansar quem está mais acostumado a histórias que se desenvolvem com agilidade e em pouco tempo. Com duas horas de duração, O Conto da Princesa Kaguya segue sua narrativa sem pressa, se demorando em cada detalhe e avaliando cada momento e sentimento minuciosamente. É um filme para ser apreciado, não apenas assistido. E é mais uma obra de arte dos estúdios Ghibli.
O Conto da Princesa Kaguya (Kaguya-hime no monogatari)
Ano: 2013
Diretor: Isao Takahata
Roteiro: Isao Takahata
Elenco Principal: Aki Asakura, Kengo Kora, Takeo Chii
Gênero: Animação, Fantasia, Drama
Nacionalidade: Japão
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