No dia 26 de julho de 2006, em Porto Alegre, o rapaz de apenas 16 anos, Vinicius Gageiro Marques, tirou sua própria vida, incentivado por um fórum de internet sobre suicídios que costumava frequentar e que o orientou a realizar aquilo.

Não apenas conhecido por ser um dos primeiros casos da nocividade que a internet pode representar para aqueles com depressão e tendência suicidas, mas também conhecido com a alcunha de Yonlu, ele produzia um número considerável de músicas e desenhos no seu quarto, o que passaram a ser de conhecimento público, lançados por gravadoras após sua morte.

Um dos maiores acertos dessa cinebiografia de Hique Montanari é reconhecer que não apenas a arte e as obras de seu biografado são mais importantes do que sua morte e a forma dela, mas também de aderir a sensibilidade do protagonista na linguagem e narrativa do filme. Algo que apenas valoriza a obra e vida de Yonlu.

Fugindo de uma abordagem realista e linear, o filme é quase inteiramente feito de sequências oníricas, que servem para situar como aquele jovem enxergava o mundo de maneira muito particular e intensa. Andando com uma roupa de astronauta por um campo, o filme evoca bem o sentimento do protagonista de solidão e estranheza no mundo, como um extraterrestre naquele planeta, o que causava uma angústia e inquietação tamanha que se refletia na disposição para suas músicas.

Competente em mostrar o processo criativo de Yonlu, que com uma aparente facilidade conseguia escrever a letra, compor a melodia, tocar, mixar e gravar uma música que tenha passado em sua mente. Seu quarto, ao mesmo tempo recheado de instrumentos de pintura e música, é retratado pelo design de produção como um espaço quase isolado e distante do restante da casa, o que dá áurea de ali ser seu canto mais íntimo de abrigo.

Constantemente sozinho em tela, até mesmo em momentos em que se encontra na escola, Montanari opta por colocar Yonlu na sala de aula sozinho, onde só os sons do professor e alunos são audíveis, novamente ressaltando a inadequação dele em ambientes sociais. Outras escolhas inteligentes nesse sentido são como um diálogo entre os pais de Yonlu, quando não passam a interessa-lo mais, logo se tornam sons abafados, dando lugar a aflição e distanciamento do menino.

Pela escolha narrativa, o jovem Thalles Cabral é bastante competente e surpreendente por segurar o filme quase inteiramente sozinho, conseguindo convocar a melancolia e angústia do protagonista com uma postura cabisbaixa e um olhar que parece sempre querer enxergar muito mais do que há ali. Além da cadência vocal que adota, que mesmo articulando de maneira muito inteligente, ainda transparece uma insegurança e dificuldade de dizer aquilo tudo.

Outra escolha bastante feliz do cineasta e responsável é trazer as falas do psiquiatra de Yonlu, os únicos momentos onde não são centrados fisicamente no protagonista. Sabendo da delicadeza do tema que traz, o filme faz questão de não abordar o tema do suicídio e da depressão de maneira superficial e romantizada, apontando que Yonlu tinha uma doença e que estava em tratamento.

Tendo outros episódios onde ameaçou cometer suicídio, o psiquiatra disse que do outro lado havia ainda um laço, um apego a algo que o impediu de fazer aquilo. No trágico dia onde morreu, ao invés de ter um abraço, como fala o personagem, ele teve um empurrão para o abismo.

Retratando o fórum de maneira muito curiosa, num galpão esverdeado cheio de pessoas segurando panos que cobrem seus rostos, simbolizando o anonimato das pessoas da internet e a diluição da responsabilidade, o filme verbaliza que aquelas pessoas mataram Yonlu, o incentivando e dando instruções de como proceder com aquela ação. Visto como um lugar sombrio e cheio de sons distorcidos, as falas daquelas pessoas geralmente são monótonas, ressaltando a frieza que o contato da internet costuma ser.

Sempre com uma câmera fluída que parece passear diante do universo/mente de Yonlu, temos momentos onde os desenhos de criaturas que o menino desenha parecem ronda-lo, representando o sentimento de depressão que o protagonista sofria.

Trazendo um certo alívio visual em momentos como quando está com a menina que tem um interesse amoroso, que apesar de ser uma sequência que traz a luz do sol, por exemplo, ainda é sob um preto e branco que denuncia a melancolia de tudo. Em certo momento, quando está na cidade tirando fotos, vemos duas pessoas fazendo uma dança pelas paredes de um prédio de maneira bela, revelando que havia momentos que a intensiva sensibilidade de Yonlu também era passível de momentos bonitos e não apenas tristes.

Sempre exibindo a fluidez daquele mundo, seja na montagem que combina Yonlu tocando teclado e digitando em um teclado de computador, no desenho de som, ao reconhecer no barulho de uma impressora uma batida musical, ou nas belas animações que se intercalam, Yonlu é uma cinebiografia absolutamente respeitosa com seu biografado, ao retratar de maneira fiel, projetando isso na narrativa, o mundo e o sentimento que aquele jovem e talentoso rapaz nutria pelo mundo, tornando sua vida e obra mais relevantes do que a tragédia que infelizmente o acometeu.

Yonlu

Ano: 2018
Direção: Hique Montanari
Roteiro: Hique Montanari
Elenco principal: Thalles Cabral, Nélson Diniz, Liane Venturella, Leonardo Machado, Lorena Lorenzo, Mirna Spritzer
Gênero: ​Drama
Nacionalidade: Brasil

Avaliação Geral: 3,5