Você já deve ter reparado que nos últimos anos uma quantidade cada vez maior de filmes de Hollywood se passa na China ou tem atores orientais no elenco. A Grande Muralha, Círculo de Fogo: A Revolta e Megatubarão, são apenas alguns exemplos. Isso se explica porque a indústria do cinema americana precisa de uma bilheteria internacional cada vez maior para sustentar seus filmes e, convenhamos, não existe público maior do que o chinês.
Seguindo essa corrente, chega agora aos cinemas Podres de Ricos, filme dirigido por Jon M. Chu com um elenco 100% oriental. O título é uma adaptação do livro homônimo escrito por Kevin Kwan e conta a história da jovem Rachel Chu (Constance Wu), professora da NYU que viaja para Singapura com o namorado, Nick Young (Henry Golding), para conhecer a família dele. O que Rachel não sabe é que o clã Young é um dos mais ricos de toda a China e costuma ser pouco receptivo com novos membros que não tenham alguns milhões no banco.
A partir dessa história já conhecida do público, o longa mostra características da vida oriental que merecem um olhar mais atento. Os estereótipos populares estão todos em tela como o comportamento espalhafatoso e as inspirações exageradas nas culturas americana e francesa, que reproduzidas de maneira tão barroca chegam a soar bregas. Esse tom caricato é melhor desenhado na família de novos ricos de Peik Lin (Awkwafina), amiga de Rachel. Já a família Young é uma elite conservadora e transparece valores caros à sociedade chinesa como o apego a tradições, a valorização da cultura nacional e o enaltecimento das artes orientais.
Falando em família, esse é um outro aspecto interessante. Diferente da sociedade ocidental, onde pais deixam os filhos seguirem a carreira que desejam, os progenitores chineses costumam moldar a prole à sua vontade. Não interessa quais são os sonhos dos filhos, eles devem cumprir o papel que é designado a eles. Em grande parte, esse trabalho é desempenhado pelas mães, sendo este um ponto curioso. Ainda que os clãs apresentados sejam tradicionais, a organização familiar é matronal, tendo em em Ah Ma Young (Lisa Lu), seu maior exemplo.
O longa apresenta também outras questões pensadas especificamente para o público chinês. Na cena em que vemos a Radio One Asia em ação (basicamente uma rede de fofocas dos super ricos), as cores usadas para ilustrar os aplicativos de bate-papo são bem diferentes do verde WhatsApp e do azul Facebook, isso porque os asiáticos utilizam outras mídias sociais, que não as nossas. A diversidade culinária também se mostra presente e temos inúmeros momentos em que as pessoas se relacionam por meio da comida. De todas os elementos que constroem o universo de Podres de Ricos, o único que se mostra fora tom é a religião neopentecostal dos Young. Ainda que eles sejam conservadores, “apenas” 4% da população chinesa é cristã.
Para mostrar esse mundo ao público, o diretor usa técnicas narrativas clássicas e faz um trabalho de câmera que aposta na centralização dos personagens, na ampla profundidade do campo e até mesmo em alguns planos sequência. A fotografia é exagerada de uma forma tipicamente asiática com destaques cheios de excessos para a mansão de Peik Lin e o casamento de Araminta (Sonoya Mizuno) e Colin (Chris Pang). Tudo isso é embalado por uma trilha sonora chinesa, que apela até mesmo para versões em mandarim de músicas famosas.
Entretanto, ao olharmos sob a camada de exotismo do longa, conseguimos ver algumas questões que comprometem a experiência. A fim de se assegurar que o espectador entenda cada detalhe da trama, Podres de Ricos apela para a literalidade, expondo de maneira super didática alguns fatos importantes. Com isso, o público consegue prever as reviravoltas do roteiro com antecedência e o clímax da estória perde seu elemento surpresa. Tal previsibilidade também se dá pelo teor da narrativa, que mistura elementos conhecidos do espectador como o enredo da garota que conhece a família do rapaz e a fábula da Cinderela.
Na dúvida se a analogia faz sentido? Apensas analise comigo: em certo momento, a jovem Chu recebe ajuda de seus amigos, passa por um extreme makeover e aparece em um grande evento social com um vestido esvoaçante azul, a típica cor da princesa da Disney. Para completar, ela briga com o Nick e deixa a festa correndo, mas ao final a felicidade é alcançada por um anel de esmeraldas e diamantes. Troque os amigos por uma fada madrinha, Nick por um príncipe e o anel pelo sapatinho de cristal e o resultado é ápice da história de Cinderela.
Esse tom simplista do roteiro concede aos personagens pouca profundidade emocional. As figuras dramáticas são aquilo que vemos em cena: Rachel é a jovem humilde que não conhece o estilo de vida dos muito ricos, Nick é o filho honrado que despreza o dinheiro da família, Eleanor Young (Michelle Yeoh), mãe de Nick, é um tipo de bruxa má que antagoniza com Rachel e assim por diante. Nessa estrutura arquetípica, a personagem mais bem-sucedida é Peik Lin que funciona como um alívio cômico eficaz.
Focado para um público feminino, daí a necessidade de exibição de tantos tanquinhos asiáticos, Podres de Ricos se mostra uma sátira social que flerta com temas mais elaborados como xenofobia, elitismo e luta de classes. Entretanto, o estilo de texto quase pueril no qual se baseia impede o aprofundamento em qualquer um desses elementos. De toda forma, o saldo permanece positivo e o longa abre portas para uma possível franquia. Se depender de Kevin Kwan, do público oriental e da bilheteria dos filmes na China, tramas como esta serão cada vez mais frequentes. O melhor é se acostumar.